Melhor saber?

“O conhecimento liberta”, sustentaram alguns. Outros disseram que “o conhecimento é poder”. Quanto mais conhecimento, mais sofrimento — disse Kohelet, a meguilá que lemos na festa de Sucot, destes dias. Entretanto, a comemoração da entrega da Torá — que significa literalmente ensinamento, e representa nossa sabedoria ou conhecimento —  em Shavuot, é uma festa alegre; e a culminação de sua leitura e estudo anual, que este ano acontece em Israel neste shabat e aqui um dia depois, se chama “A Alegria da Torá” ou Simchát Torá, celebrada com danças e, em algumas sinagogas, até com bebida alcoólica.

O conhecimento nos permite saber forças e fraquezas, possibilidades, probabilidades, oportunidades, perigos e ameaças —  próprias e dos que nos cercam. Por essa razão, alguns viram nele liberdade ou poder,controlando as condições e prevendo as consequências. No entanto, outros viram que é o conhecimento justamente o que poderia nos causar medo e paralisar toda ação trazendo sofrimento, pois ele revelaria nossas limitações, inclusive nossa impossibilidade de sabê-lo tudo e controlá-lo tudo.

Como chegou a tradição judaica a identificá-lo justamente com a alegria? E por que precisamente o momento da finalização e recomeço da leitura e do estudo seriam tão alegremente celebrados?  

Gostaria de compartilhar uma interpretação pessoal deste último ano a esse respeito. Como dito acima, o conhecimento em si revela oportunidades e riscos, mas, ao mesmo tempo, mostra vantagens e desvantagens, abre e fecha portas igualmente. A emoção que segue ao conhecimento poderá ser negativa ou positiva, dependendo do foco de quem o adquirir. Se se focar na força, na oportunidade ou na abertura, poderá despertar alegria, entusiasmo e vitalidade. Se focar nas ameaças, nas limitações e nas fraquezas, despertará depressão e paralisia. Ler uma e outra vez o mesmo texto também pode representar mesmice e promover mediocridade, ou pode indicar o desafio da superação constante. Lemos de novo a Torá todos os anos para buscar novos sentidos, não para repetir as mesmas histórias e interpretações de sempre. Revisitamos leis e narrativas para nos revisitar diante delas e procurar crescimento e novidade. A tradição da festa deste fim de semana nos desafia dizendo: “se atreva a revisitar uma e outra vez todas suas condições, a fim de ser melhor no próximo ciclo”. Ao menos tente: revisitar cada situação abandonada pela confiança exagerada numa força assumida ou pela resignação despertada por uma fraqueza garantida. Revisitar interpretações, conhecimentos, preconceitos, ignorâncias, e desinteresses. Talvez o que não compreendemos ou não interessou ontem possa interessar e aparecer com uma nova luz hoje. 

A Torá, além da sabedoria, representa a vida, segundo a nossa liturgia (“etz chaim hi”). Nesse sentido, Simchát Torá seria a alegria da vida. A alegria de viver escolhendo revisitar todas nossas fontes vitais a fim de descobrir seus potenciais.

Que tenhamos a sabedoria e a vontade fazê-lo.

 

Shabat shalom e chag sameach!

Rabino dr. Ruben Sternschein