Oportunidades sagradas

O pecado do bezerro de ouro é cometido na parashá desta semana, Ki Tissa. Ironicamente, no mesmo trecho da Torá que esta expressão artística do povo é condenada, a arte de Betsalel é reverenciada.

O que difere o bezerro de ouro do Tabernáculo? Por que a criação artística de Betsalel gerou santidade enquanto que a criatividade do povo produziu profanação.

Para responder a esta intrigante questão, vamos recorrer às palavras usadas pela Torá para descrever Betsalel: “Olha, chamei por seu nome a Betsalel ben Uri, neto de Chur, da tribo de Judá, e fiz com que ficasse repleto do espírito de Deus, em ciência, em inteligência, em sabedoria (bechochmá, uvitvuná, uvedaát) (…)”.

O comentarista clássico do século 11, Rashi, nos ajuda a estabelecer a diferença entre esses três atributos do arquiteto do Santuário: “ciência, inteligência e sabedoria”.

É interessante notar que a espiritualidade, segundo este comentário, é fruto do aprendizado do homem com o homem e da análise individual que devemos fazer deste aprendizado.

Na ausência de algum desses elementos, seja a interação entre pessoas, seja nossa capacidade de análise, a relação com Deus fica comprometida.

O que teria acontecido então no episódio do bezerro de ouro? Segundo a rabina Abigail Treu do Seminário Teológico Judaico de Nova Iorque, o povo se atrapalhou; os israelitas entendam errado a mensagem de Deus. Não deveriam fazer um objeto sagrado, mas fazer do mundo um lugar sagrado. Por meio de suas atitudes, deveriam transformar seus alimentos, seus discursos, suas roupas, seus trabalhos, seu tempo, seus relacionamentos, em sagrados. O desafio não estava em fazer coisas sagradas, mas tornar sagradas as coisas que faziam.

O povo aprendeu que deveria ser sagrado, mas não se perguntou como transformar a vida que já possuíam em algo santo. No lugar disto, tentaram criar algo completamente novo. Como se o universo que já existe não fosse sagrado. Como se não fosse possível ver o trivial com olhos santos. E, por isto, a sabedoria, que é a conexão com Deus, foi rompida.

A diferença entre Betsalel e o bezerro de ouro está na compreensão de que extraímos santidade do mundo pela forma como nos relacionamos com ele. Não produzimos santidade do nada, mas descobrimos a santidade que já existe nos diversos aspectos da vida.

Que possamos transformar as vidas que já possuímos em oportunidades sagradas.

Shabat Shalom.

Rabino Michel Schlesinger