Assim disse o rabino Iossef, filho do rabino Chanina: “A voz de Deus falou com cada pessoa de acordo com sua capacidade… Agora, se cada pessoa era capaz de experimentar o Maná de acordo com sua individualidade particular, as pessoas eram ainda mais aptas de escutar a voz Divina de acordo com sua singularidade.”

​O Maná era uma comida mágica que caia do céu para saciar a fome dos israelitas no deserto. Essa comida poderia assumir diferentes gostos, conforme a pessoa que a consumia. Se assim quisessem, ela poderia ter sabor de frango, de risoto, de tapioca ou sorvete.

Segundo este midrásh, algo semelhante aconteceu com a revelação da Torá no Monte Sinai —  ela foi diferente para cada pessoa que lá esteve presente. Faz sentido. Uma mesma mensagem é sempre compreendida de maneira distinta por diferentes pessoas. 

Quando ouvimos um discurso, lemos um texto, escutamos uma canção, assistimos a um filme ou observamos um quadro, nunca perceberemos exatamente o mesmo do que percebeu outro indivíduo. 

Isso acontece porque projetamos nos quadro, no filme, na aula, a nós mesmos. Arremessamos para dentro da moldura, ou da tela, ou do livro, nossos próprios medos e desejos, nossa educação e nossa emoção, nosso jeito único de pensar, e sentir é o que nos conecta com tudo aquilo que é posto a nossa frente. 

Isso não significa falar que existe um relativismo absoluto no mundo, o que seria demasiadamente perigoso. Não concordo que o bem e o mal, o certo e o errado, sejam sempre subjetivos. Ao mesmo tempo, entre um extremo e outro, existe um vasto universo que possibilita infinitas leituras originais da vida. 

Tenho colegas rabinos que almejam criar uma comunidade em que todos sejam casher, todos rezem diariamente, todos observem o Shabat. Eu penso de maneira diferente. 

Embora a cashrut seja um valor central na minha vida religiosa, embora eu tenha a tefilá como uma prática diária, embora meu Shabat seja um dia bem diferente dos demais, não acredito que seja esse o único modelo possível.  

Justamente por crer, como nos ensina o midrásh, que a revelação acontece de maneira distinta para cada pessoa, acredito que existam muitas maneiras de ser um bom judeu. 

Esse tipo de pensamento me ajuda a ser um judeu conservador (“massorti” em hebraico), capaz de ver a beleza que existe em todas as correntes do judaísmo a minha direita e também a minha esquerda.​

Convido vocês a escutarem a voz de Deus de sua maneira. O mais importante é que seu judaísmo seja coerente com o seu acervo único de crenças e valores.

Seja um judeu ortodoxo orgulhoso da perenidade das leis e costumes, seja um massorti convicto de que a lei é, a um só tempo, obrigatória e dinâmica, seja um judeu reformista e coloque a ênfase na prática religiosa social, seja um judeu laico e mergulhe na literatura, no cinema, no teatro judaicos.

Vale quase tudo. Penso que existem somente duas regras de ouro: não tente convencer o mundo de que seu caminho é o único legítimo, não seja indiferente a este legado valioso chamado judaísmo.

 

Shabat Shalom

Rabino Michel Schlesinger