“Escolham a vida, para que você viva junto com a sua descendência” [1]. Poucas vezes um verso da Torá foi tão relevante para experiência de toda a humanidade. Há praticamente seis meses, temos adotado práticas de distanciamento social, limitado nossas interações físicas com as pessoas mais próximas; nos acostumado a conduzir aulas, reuniões e serviços religiosos pela tela do computador, com todos os desafios envolvidos. A verdade é que ninguém aguenta mais! Ansiamos pela volta do contato humano, pela possibilidade de darmos abraços apertados em nossos amigos, de sairmos para beber uma cerveja sem medo ou de ir tomar um sorvete na esquina sem receio de quem mais estará na fila.

Nessa época do ano judaico, esses anseios se tornam ainda mais intensos. Na próxima sexta-feira à noite, comemoraremos Rosh haShaná, o Ano Novo Judaico. Em geral, além das rezas e do toque do shofar que nos ajudam a aprofundar o processo de reflexão e introspecção, as Grandes Festas são também oportunidades para vermos amigos com quem não estamos sempre em contato, de nos sentirmos parte de uma grande comunidade. Neste ano, as coisas serão muito diferentes: não teremos o toque do shofar no primeiro dia de Rosh haShaná (que cai no Shabat) e os serviços serão a distância, vivenciados pela tela do celular, do computador ou da televisão. Grandes e significativas mudanças para as quais muitos de nós não estávamos prontos. Em um ano de tantas situações inusitadas com as quais nunca imaginamos, torcíamos para que as Grandes Festas nos trouxessem um pouco do conforto dos espaços conhecidos — e é com frustração que nos demos conta de que não seria assim. 

Poucas linhas antes da frase com que abri este comentário, encontramos este outro verso da nossa parashá: “certamente, esta instrução que eu te ordeno hoje não está além da tua capacidade ou distante. Ela não está no céu, que você pudesse dizer ‘quem vai subir lá no céu e buscá-la para que a escutemos e sigamos?’” [2] O judaísmo se destaca pela forma como valoriza a ação; seu objetivo não é que apenas filosofemos sobre seus ensinamentos, mas que exerçamos na prática seus valores nas nossas decisões cotidianas. De que valeria falarmos nas nossas prédicas sobre a importância de escolhermos a vida ao mesmo tempo em que arriscássemos nossa comunidade, reunindo centenas de pessoas em um mesmo espaço enquanto a pandemia ainda não está controlada? A incoerência entre nossa fala e nossa conduta seria óbvia e negaria tudo que sempre ensinamos. Acreditamos de fato na importância de valorizarmos e escolhermos a vida e que nossas ações devem refletir esta crença.

Por tudo isso, e apesar de também já estarmos cansados do distanciamento físico e saudosos de cada membro da nossa comunidade, de querermos repetir a prática de anos anteriores e nos despedirmos calorosamente de cada um de vocês na saída dos serviços religiosos, decidimos que os serviços seriam apenas a distância. Ao longo dos últimos meses, nos dedicamos para repensar a liturgia que utilizaremos, o formato de cada um dos serviços, a linguagem mais adequada para rezas mediadas pelas telas, tudo pensado para que cada um de nós consiga atingir a mesma espiritualidade que conseguia nos serviços presenciais. 

A tradição judaica nos ensina a reviver nossos momentos históricos, apesar do tempo e da distância. Em Pêssach, não apenas nos lembramos da saída de Mitsrayim, mas saímos dos nossos lugares estreitos junto com nossos antepassados; em Shavuot, voltamos a receber a Torá todo ano, juntamente com Moshé. Neste ano, também em Rosh haShaná e em Iom Kipur venceremos o tempo e a distância e verdadeiramente nos veremos frente ao Dia do Julgamento e da Expiação, analisaremos nosso ano com Deus e refletiremos sobre nossos sucessos e nossas falhas, onde estamos orgulhosos de 5780 e quais aspectos preferíamos que nunca tivessem acontecido. 

Em uma terceira passagem da parashá desta semana, Deus anuncia que o pacto contido na Torá foi firmado com todo o povo, tanto com quem estava presente quanto com quem não estava lá [3]. Com responsabilidade e escolhendo a vida, este será o nosso desafio este ano: estarmos todos conectados, todos presentes, todos nos sentindo parte do mesmo pacto, ainda que estejamos cada um nas nossas casas.

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[1] Deut. 30:19b

[2] Deut 30:11-12

[3] Deut. 29:9-14

 

 

Shabat Shalom!

Rabino Rogério Cukierman