Receber ou Tomar

Os presentes se assumem como uma dádiva, uma doação, um gesto de quem os dá para quem os recebe. Presentes não deveriam ser exigidos, pois nesse caso o movimento da entrega seria anulado. Menos ainda poderiam ser pegos ou retirados por parte do receptor, pois nesse caso limitariam no furto.

Todavia, a parashá da semana atribui nada menos que a próprio Deus essas atitudes.”…Falem com os filhos de Israel e tomem deles minha doação…”.

Os comentaristas não demoraram em apontar as incongruências da linguagem que saltam à vista:

  1. Uma doação se toma ou se pede?
  2. Se já é minha por que tem que ser recolhida?
  3. Existe algo que Deus possa precisar ?
  4. É o humano que poderia brindar a Deus o que ele careceria?

Dentre as diversas propostas de soluções, destaco a seguinte: trata-se de uma teologia que assume que tudo é divino. Tudo é de Deus ou tudo é o próprio Deus, portanto nada pode realmente faltar nem ser dado. O que está em jogo aqui é a disposição a dar. Querer dar.

Inclusive o texto continua “…de todo aquele cujo coração o voluntarie, tomem minha doação..” Isso é tudo e o único que podemos oferecer. A vontade de doar, se doar, compartilhar. O próprio Deus teria criado uma situação de suposta possessão e até expressaria o pedido de doação, de construção do santuário, para que o humano possa desenvolver a vontade de dar, se dar e participar. Para que se veja útil, valioso e responsável.

Entretanto, haveria um perigo: uma vez assumida essa teologia poderia se auto-desarticular. As pessoas amadurecidas, assumiriam que nada possuem realmente e que Deus nada carece, nem precisa e adotariam uma passividade e um sem-sentido para tudo.

Aqui vem o último passo da ideia, a vida toda, o mundo todo é uma grande oportunidade de encontrar, desenvolver e exercer as virtudes do desapego, da doação e da cooperação. Tudo que vivemos, conquistamos, perdemos, recebemos nada mais é que uma encenação para permitir a liberdade de escolher doar, renunciar, assumir, responsabilidades e fazer espaço para outros também. Essas virtudes não são um meio para construir projetos, ganhar relacionamentos e alcançar poder ou dinheiro. Ao contrário. Os projetos, o dinheiro, o poder, todas as forças e até todos os vínculos nos acontecem para que desenvolvamos essas virtudes. Elas são o objetivo. O divino, como o animal não teriam essa opção. Só o humano e para isso estaria aqui.

Que possamos viver do modo que desenvolva o melhor do humano e do indivíduo  que somos

 

Shabat shalom

 

Rabino Dr. Ruben Sternschein