Humor bíblico

Na parashá desta semana, Nassô, encontramos um ritual judaico difícil de compreender. A Torá descreve com detalhes uma cerimônia para uma mulher suspeita de traição. Tratava-se do detector de mentiras mais antigo da humanidade. O homem que suspeitasse que sua esposa estivesse o traindo, poderia submetê-la a este procedimento mágico.

O ritual que ficou conhecido posteriormente como Sotá, sendo o procedimento daquela que se desvia do caminho correto, era complexo. Rashi, comentarista francês do século 11, conecta a palavra Sotá com Shotê que significa tolo, indicando que a traição é um ato de tolice.

O protocolo consistia em trazer a mulher suspeita até um sacerdote. O cohen então colocava água sagrada em um vaso de barro junto com pó do chão do santuário. O sacerdote escrevia maldições em um pergaminho e as apagava com as águas amargas. A mulher então bebia da água. Se fosse culpada, ela passava mal. Se fosse inocente, nada acontecia.

Como compreender um ritual tão estranho? A alternativa que eu gostaria de propor é de que, mesmo quem viveu naquela época, compreendia o ritual como uma forma de tratar um tema muito difícil com bom humor.

O adultério era um poderoso tabu. Sobretudo em uma sociedade patriarcal, o esposo traído era visto como perdedor. Para lidar com uma crise tão aguda, foi desenvolvido um procedimento bem humorado para verificar a veracidade da acusação e restituir o shalom bait.

Não possuímos registros de alguma mulher que tenha sido reprovada no teste das águas mágicas. Este dado reforça a tese de que mesmo quem viveu naquele período sabia do sentido apenas simbólico do procedimento.

Imagino que depois da primeira, segunda, terceira vez que repetiram o ritual e nada aconteceu, todos perceberam que se tratava de um mito. Tratava-se de um mecanismo teatral para lidar com um dos temas mais difíceis daquela sociedade. Uma maneira simbólica de restituir a honra de um marido que se sentia traído.

Este modo judaico bem humorado de lidar com os problemas pode nos ajudar a viver com mais leveza. Em nossas vidas particulares, temos que ter a risada como uma alternativa real para enfrentar os desafios do nosso cotidiano. Quando percebermos que nada mais temos a fazer sobre determinada situação, o humor pode nos auxiliar a ver a circunstância com novos olhos.

Shabat Shalom

Rabino Michel Schlesinger