1 – LeDor vaDor

Ao sair da escravidão no Egito, a parashá da semana faz questão de se deter ao detalhe de que Moisés pegou os restos de José e os levou na travessia do deserto para serem enterrados na Terra de Israel, segundo o acordado. Uma nova jornada começava, novos protagonistas, novos desafios. Novos métodos seriam necessários, novos valores, novas formas de olhar, analisar e avaliar; mas também novas formas de se relacionar com o passado, o qual não ficaria apagado. Nem o passado escravo imediato, nem o passado distante. Ao trilharmos nossos caminhos, por mais novos que sejam, carregamos de alguma forma nossos passados. Andar novos caminhos é, também, se dispor a levar de um novo modo nosso passado.

 

2 – Atravessar o mar

Mares nos separam de nossos objetivos. Ou nos unem. Ondas nos ameaçam e agridem, ou nos convidam a voar e surfar. Mares crescem e aumentam, e diminuem e recuam. Mares que se abrem e se fecham também. A narrativa da saída do Egito conta que o mar foi tocado pela vara de Moisés e se abriu de modo que se tornou uma fortaleza de cada lado e um passo no meio. Independentemente da veracidade do ocorrido, a metáfora pode inspirar nossos caminhos, nossos obstáculos, nossos modos de lidar com eles e nossas formas de entrar e sair deles.

 

3 – Shirat Ha’iam: promovida ou censurada?

Uma vez terminada a travessia pelo mar, ao ver que Egito finalmente ficou para trás (seja pela libertação da consciência escrava ou pelo afogamento dos egípcios no mar que se fechou), a parashá conta que os hebreus cantaram louvor e gratidão. Séculos mais tarde, os sábios no Talmud contaram que, naquela hora, Deus teria censurado o canto dizendo: “a obra de minhas mãos se afoga no mar e vocês cantam louvor e gratidão a mim?!”. O Talmud opta diminuir a alegria em virtude da compaixão, inclusive pelos inimigos. Talvez o Shabat Shirá seja um shabat para revisitar o modo como lidamos com a adversidade dos rivais e inimigos. Se estamos prontos e somos capazes de enfrentar a discórdia sem querer acabar com a existência humana deles.

 

4 – Shirat Miriam

Imediatamente após o poema entoado pelos que atravessam o mar, a parashá conta que Miriam saiu com tambores e danças, cantou e foi seguida pelas mulheres. Por que Miriam teria acrescentado mais um canto? E por que a teriam acompanhado as mulheres, especialmente? Leitores posteriores sugerem que a primeira música teria sido entoada apenas por homens. E qual a diferença entre uma e outra, além do gênero? A segunda é espontânea, curta e inclui tambores e dança. Como se essas habilidades fossem características do lado feminino: saber integrar o corpo inteiro em plenitude e não temer a expressão da própria espontaneidade. 

Se assim for, aprendamos e reivindiquemos Miriam.

 

Shabat Shalom,

Rabino Ruben Sternschein