Diante dos enormes portões que se abriram em Rosh Hashaná, nos sentimos pequenos. Um portão aberto especialmente para ouvir nossos pedidos de desculpas, nossos arrependimentos e também nossos desejos. Para ouvir novos compromissos e desafios para este ano que entrou. Esse portão esteve aberto pelos últimos 10 dias e agora está prestes a se fechar. 

 

Estamos frágeis pela fome e cansaço, mas ainda temos mais uma hora reunidos vendo esse portão se fechar. Temos nossa última chance de nos fazer ser ouvidos, como indivíduos e como comunidade. De elevar nossa tefilá. Cada um precisa decidir se estará na espera passiva ou aproveitará ao máximo este último momento tornando-o transcendente. 

 

A tefilá Neilá está começando, tendo como objetivo garantir nosso lugar no grande livro da vida, e principalmente o de deixar em evidência aquelas pequenas mudanças tão necessárias em nós mesmos para sermos pessoas melhores no ano que entrou.

 

Heschel disse que a tefilá só tem sentido se tenta derrubar e destruir as pirâmides dos calos, ódios, oportunismos e falsidades. Mas não dos outros, de dentro nós mesmos.

 

O grande dia do perdão está terminando. Será que fomos perdoados por todos os nossos erros? Iom Kipur é o dia em que, depois de um arrependimento genuíno, estaria garantido o perdão.

 

Mas apenas aqueles erros e arrependimentos que remetem só a Deus. Aqueles erros que afetaram as pessoas precisam de um pedido real de perdão a quem tenhamos magoado.

 

Repetir diversas vezes ashamnu, bagadnu, gazalnu, somos culpados, traímos, roubamos e essas longas listas entre o Vidui e o Al Chet, não diminui nossa responsabilidade com aquelas pessoas a quem traímos ou roubamos.

 

O pedido expresso, cara a cara, já deveria ter acontecido. Será que ainda temos tempo? Os portões estão se fechando, podemos até ouvir o ranger das dobradiças. Pedidos de perdão… Muitas vezes falamos sobre a importância de reconhecer nossos erros e pedir perdão. A liturgia desse dia solene que está por terminar está repleta de reconhecimento desses erros e de pedidos de perdão. Slach lanu, perdoa-nos.

 

Na esperança, neste dia, de recebermos o perdão divino, será que enxergamos que nós também temos o papel de perdoar? Somos capazes de perdoar?

Diferentemente de Deus, que pode ver nossa honestidade direto de nossos corações, nós temos que olhar nos olhos de quem nos pede perdão e acreditar em seu arrependimento e sua vontade de mudar. Como saber realmente?

 

O Dr. Moises Groisman, psiquiatra especialista em perdão diz que o ato de perdoar não é em relação ao ato em si, e sim à pessoa que praticou o ato. Porque não somos capazes de apagar o que aconteceu.

 

Nós não podemos decidir esquecer o que aconteceu, também não podemos voltar atrás, nem nós, nem quem nos ofendeu, por mais que gostaríamos.

 

Se imaginarmos a relação entre as pessoas como um vaso delicado, porém muito colorido, onde cada cor poderia remeter às diversas experiências entre ambos, os atos que quebram a confiança levariam esse belo vaso a vários cacos. É infantil imaginar que o perdão faria com que pegássemos todos os cacos reconstruindo a relação tal como era antes.

 

Existe uma técnica japonesa que se chama kintsugi, que consiste em pegar os pedaços e remendá-los com ouro. Podemos voltar a ter um prato, uma xícara, um vaso. Certamente diferente do original, possivelmente mais belo. O kintsugi entra na filosofia de aceitação do imperfeito. Assim como uma pessoa deve aceitar que é imperfeita, devemos também compreender a relação com os outros como imperfeita e passível de muitos erros de um lado e de outro.

 

O kintsugi, tenta reconstruir a peça quebrada, diferente, evidenciando a quebra, mas reconstruída. Eu gostaria de convidá-los a outra alternativa. Gostaria de convidá-los a juntar todos os cacos daquele belo vaso colorido quebrado.

 

Perdoar, muito longe de esquecer o que foi feito, muito longe de tentar reconstruir uma relação exatamente igual ao que foi, ou talvez parecida, poderia ser o abrir-se à oportunidade de construírem um mosaico entre todas as partes envolvidas. 

 

Um mosaico que não tem absolutamente nenhum compromisso em manter as formas anteriores, a função anterior, de vaso, de xícara, de prato. Um mosaico que se aproveita de todas as cores proporcionadas pelo relacionamento anterior e transforma em algo novo. Numa nova possibilidade de se relacionar.

 

Os portões dos céus estão se fechando, mas nós, aqui, não precisamos nos fechar. Assim como investimos tempo, esforços e palavras no pedido de perdão, nos convido a abrir nossos corações à essa possibilidade de construir mosaicos, transformando relações abaladas pelo conflito em algo que possa ser ainda mais belo.

 

Que possamos garantir nossos nomes assinados no livro da vida por pedirmos perdão e também por perdoar.

 

Que a última repetição do Vidui não seja apenas para reconhecer, mais uma vez, possíveis erros nossos, mas também que  permita que vejamos se podemos perdoar aquelas pessoas que erraram conosco

Gmar Chatimá Tová

Rabina Fernanda Tomchinsky-Galanternik