Rosh HaShaná e Iom Kipur passaram. Estamos em Sucot que, na época do Templo de Jerusalém, era a maior das Festas de Peregrinação. O número de sacrifícios oferecidos era muito maior que das demais festas e, além disso, a festa comemorava o fim das colheitas dos frutos e a ceifa dos cereais. Era o fim do período agrícola e a antecipação do inverno gelado e chuvoso de Israel. Tão gigantesco era o Festival, que nossos sábios a chamavam apenas de “HeḤag” (“A” Festa – a Festa das festas).

Para nossos sábios, não apenas o ser humano era julgado nas grandes solenidades de Rosh HaShaná e Iom Kipur, mas também a natureza enfrentava O Juiz, que decidiria o destino da Terra, determinando se as chuvas cairiam na época e na quantidade correta durante o novo ano.

Em Sucot nós entoamos as Hoshanót, pedindo que Deus nos salve. A salvação esperada era (e ainda é) a chuva, a maior das bênçãos para aquele povo agrícola natural de uma terra majoritariamente desértica.

Com o lulav nas mãos, nossos antepassados rogavam “Hosha, ná – salva-nos, por favor”, mas não de forma triste, pesarosa e desesperada, mas entre cantos e danças, afinal é época de alegria – zemán simḥatênu –, conforme diz a Torá: “Você se alegrará nesta festa (…) e estará somente alegre” (Dt 16:14-15).

Um evento especial tinha lugar durante o festival: Simḥát Bêit haShoevá (algo como “Regozijo no Local de Coleta da Água”). Dezenas de milhares iam a Jerusalém para participar da cerimônia de derramamento das águas, que eram trazidas do grande reservatório de Shilôaḥ em uma jarra de ouro.

A água era derramada junto ao altar, e simbolicamente representava a bênção das chuvas que cairiam no novo ano, se Deus assim quisesse. Era tamanha a felicidade nesses dias, que a Mishná relata: “Aquele que nunca viu Simḥát Bêit haShoevá nunca viu a verdadeira alegria na vida” (Sucá, 5:1). Simbolicamente, o derramamento e “desperdício” dessa água representava a confiança dos judeus de que a Divindade não lhes faltaria e toda a água necessária cairia dos céus, garantindo o abastecimento e a subsistência de todo o povo de Israel.

Paralelamente, as moradias temporárias ordenadas pela Torá também representavam a confiança no Divino, lembrando-nos que a peregrinação desde o Egito até a terra de Israel, apesar de longa, foi passageira. Segundo nossa tradição, a sucá simboliza a proteção divina nos momentos de incerteza.

A mística judaica nos ensina que a vida toda é feita de incertezas e que a sucá nos lembra da fragilidade e efemeridade da vida: “Navegar é preciso. Viver não é preciso”, diria Fernando Pessoa sobre a falta de certeza que cerca nossas vidas.

É breve, incerta, frágil e imprecisa, e nada levamos dela quando partimos. E, justamente por ser passageira, é que devemos vivê-la da forma mais significativa, de modo que nossa estadia por aqui não passe despercebida por aqueles que cruzam nosso caminho. Porque são os nossos valores, ideais, ações, lágrimas e sorrisos que permanecem aqui como verdadeira herança e legado para aqueles que continuam aqui depois de nossa passagem.

Daí a obrigatoriedade de ser feliz em Sucot. Daí que A Festa nos ensina a sorrir mais, a cantar mais, a nos alegrar mais e transmitir esta alegria. Não se trata de uma felicidade vã e debochada, de quem não se importa com coisa alguma, mas sim uma alegria sincera e positiva, que revitaliza e energiza a nós mesmos e quem está à nossa volta em mais um ano – bom, doce e significativo.

 

Shabat Shalom veḤag Sucot Samêaḥ.

 

De Jerusalém,

Moré Theo Hotz