A parashá desta semana começa com a tão esperada inauguração do Mishkán. Apesar de termos passado muitas parashiot lendo sobre a construção e preparação do Mishkán e sobre quem seriam aqueles que farão o trabalho do Tabernáculo, somente agora, com a ordenação dos Cohanim, a casta sacerdotal, é que começa a prática da oferta de sacrifícios.

É ao final da primeira cerimônia feita por Aharon e seus filhos que aparece um dos trechos mais difíceis da Torá, em minha opinião. Aharon levanta suas mãos em direção ao povo para abençoá-lo, e entra junto com Moshé na Tenda da Reunião. Ao sair da Tenda, voltam a abençoar o povo, e o texto diz “a Presença do Eterno apareceu para todo o povo. Saiu fogo de diante do Eterno e consumiu a oferta queimada e as partes gordurosas sobre o altar. E todo o povo viu e exclamou, e caiu sobre suas faces” (Lev 9:23-24). Neste momento de total êxtase de toda a congregação, acontece o inesperado: “Agora os filhos de Aarão, Nadav e Avihu, cada um pegou seu incensório, pôs fogo e incenso e ofereceu diante do Eterno fogo estranho, que não lhes fora ordenado” (Lev 10:1-2).

Como lemos, os filhos de Aharon, recém-ordenados no sacerdócio, são mortos ali mesmo, consumidos pelo fogo de Deus na frente de seu pai, de Moshé e de todo o povo. Qual foi o pecado de Nadav e Avihu? Será que o pecado foi cada um deles ter agido por iniciativa própria, sem consultarem um ao outro, sem consultarem seu pai Aharon? Qual foi a razão para que o castigo tenha sido a morte dos jovens sacerdotes? Terem oferecido um “fogo estranho”? E o que é estranho exatamente? Um fogo que Deus desconhece, um fogo que não está incluso nas ofertas que Deus ordenou? E, por último, será que o pecado de Nadav e Avihu foi eles terem se excedido na prática, feito mais do que o devido, mais do que o esperado, trazendo um fogo que Deus não ordenou?

Estas são algumas das perguntas que nossos sábios se fizeram a respeito da morte de Nadav e Avihu. São perguntas que dão como certo que quem está em falta são de fato Nadav e Avihu. Às vezes, tentamos acalmar nossa ansiedade e angústia, que é resultado de cenas ou situações difíceis, justificando as ações de Deus e culpando as vítimas. “Alguma coisa eles devem ter feito”. “Se foi assim, será que não mereciam?”, “Não pode ser que Deus tenha se equivocado”.

Será que é possível questionar a Deus neste caso? O Deus da tradição que defende a vida antes de tudo, da tradição que promove a teshuvá, os aprendizados sinceros e os erros como parte do ser humano? Qual é a mensagem que cada um de nós quer aprender com esta cena tão difícil e cruel? Com quem nos identificamos? No lugar de qual desses personagens nos colocamos? Somos Nadav e Avihu, dando mais do que nos é pedido? Somos Deus, castigando a quem não segue nossas regras? Somos Moshé, que põe em sua boca a palavra de Deus e aceita seus desígnios? Somos Aharon, que permanece em silêncio?

Qualquer que seja o ponto de vista que escolhamos, sejamos capazes de questionar e de nos questionar, de aprender e corrigir, de nos impressionarmos, angustiarmos e até mesmo de nos enojarmos diante de atos violentos, para não permitir que estes se tornem numa linguagem justa e aceita. Que a violência, a força e a unilateralidade não sejam um caminho para se escolher. “Não por força e não por poder, mas por espírito”. (Zacarias 4:6)


Shabat Shalom

Rabina Tati Schagas