Nesta semana, lemos da Torá duas porções: Vaiak’hêl e Pecudei. Com elas, finalizamos o seu segundo livro, com uma descrição pormenorizada da construção do Mishkán – o santuário móvel que centralizaria toda a vida comunitária dos filhos de Israel – e do processo participativo e criativo envolvido nessa obra. B. S. Jacobson, citado por Plaut, ressalta que a inteligência humana e a capacidade criativa usada para essa construção refletem a parte divina existente no ser humano. A própria Torá nos diz que Moisés convocou a toda a comunidade israelita, “homens e mulheres, todos cujos corações os moviam” [Ex. 35:1-22].
A participação igualitária de homens e mulheres no que tange ao serviço e à espiritualidade não é uma proposta reformista do século XX. Por mais que seja notória a força do masculino na intenção do narrador do texto bíblico, a intenção do leitor também é um elemento importante na equação. Até aqui sabemos que homens e mulheres doaram igualmente e generosamente para a construção do Mishkán, em forma geral. Mas o que há de particular na participação feminina? E a resposta está nos espelhos. A pia de cobre e a base de cobre à entrada da Tenda de Reunião foi feita “a partir dos espelhos das mulheres” [38:8].
O tema dos espelhos chamou a atenção dos sábios e comentaristas da Torá. Rashi comenta que as mulheres israelitas possuíam espelhos de cobre nos quais costumavam olhar quando se adornavam. Conta um midrash que tão pronto as mulheres chegaram com seus espelhos, Moisés ficou colérico [Tanchuma, Pekudei 9:4] porque entendia que foram objetos feitos para ceder à vaidade. Mas Deus lhe respondeu: “Aceite-os; estas são mais estimadas para mim do que todas as outras contribuições, porque através delas as mulheres criaram aquelas enormes hostes no Egito!” [Rashi em Êxodo 38:8].
Aprendemos no Talmud que, “pelo mérito de mulheres justas que estavam naquela geração, o povo judeu foi redimido do Egito” [Sotá 11b]. Yocheved, Miriam, Batia (a filha de Faraó) e as parteiras Shifrá e Puá, corajosamente enfrentaram o perigo da desobediência civil.
Espelhos eram objetos associados à liberdade sexual e fertilidade no Egito, de onde o povo recém saía. Em vez de um uso narcísico, as mulheres os usavam para despertar o afeto dos seus maridos e assim poder oferecer resistência à opressão do faraó, exercida pelo controle da natalidade. Por sua coragem e valentia, e pela recusa a internalizar os valores do opressor, a oferta de seus instrumentos de luta – os espelhos – foram mais caros a Deus do que o ouro e a prata trazida pelo restante do povo, para a conformação daquele espaço sagrado.
Ao que parece, a Torá entendia essas mulheres como guerreiras, pois se refere a elas como “’um exército (tsov’ot) de mulheres’ que realizavam tarefas à entrada da Tenda de Reunião”.
Ao se referir ao uso de espelhos no Tabernáculo, o rabino Shimshon Raphael Hisrch entende que “o lado físico e sensual dos humanos não foi excluído da esfera a ser santificada”.
Sempre que terminamos um livro da Torá, e, aqui, ao terminar a leitura da parashat Pecudei somos convidados a expressar “chazak, chazak ve’nitchazek!”. Segundo a rabina Nancy Wiener, que traduz a expressão como “seja forte, seja forte e seremos encorajados”, as duas primeiras são ditas no singular, pela necessidade do indivíduo ser fortalecido. Mas a última se encontra no plural, para expressar que o coletivo também precisa ser fortalecido e encorajado a partir da coragem e da força dos seus integrantes.
Que a força das mulheres que participaram na construção do Mishkán também nos fortaleça coletivamente, para participarmos na construção de um espaço sagrado em nossos dias.
Shabat Shalom,
Kelita Cohen
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