Estar e não estar, não estar e estar II

Há cinco anos tenho compartilhado sob este título umas reflexões sobre esta parashá. Hoje gostaria de acrescentar outras.
Todos já estivemos e não estivemos ao mesmo tempo. De fato fazemos isso cotidiana e constantemente. Vivemos a era das comunicações, do Facebook, do Instagram, dos celulares. Vemos vídeos de pessoas em situações que já deixaram há muito tempo, compramos e vendemos imagens perfeitas, sempre sorridentes, arrumadas, saudáveis e bonitas, como se a vida não tivesse momentos tristes, sombrios e desagradáveis.

Participamos de encontros presenciais e ao mesmo tempo ficamos nas redes sociais, no celular. Às vezes saímos de nossa vida presente e real, para tirar uma foto do que está acontecendo, para o qual pretendemos deter o fluxo do real e montar a “realidade” que exigem os standards dos posts e das selfies, resumindo, estamos e não estamos ao mesmo tempo na realidade.

Antigamente, dizia-se que as pessoas que filosofavam, ou escreviam poesia ou música, ou imaginavam um quadro enquanto viviam, se perdiam em devaneios, “viajavam” ao invés de viver na realidade. O intuito deles era ampliar a realidade, dar a ela outras dimensões de extensão profundidade e significado.

Parece-me que o intuito da era da realidade virtual é ganhar simultaneidade, beleza e positivismo, com o custo de perder autenticidade, profundidade, e registro interno. Falamos com mais pessoas estamos em mais cenas ao mesmo tempo, mas bem menos em essência. Ouvindo menos o que se diz e o que se cala, compreendendo menos, registrando menos na alma enquanto que o celular registra mais.

A parashá começa chamando a estar de um modo diferente, estar totalmente presente. Tudo que nos constitui colocado no local e no momento.

E mais ainda, pede para fazer espaço na nossa presença para todos os que estão conosco, fisicamente e os que não estão. Crianças, idosos, membros de todas as classes sociais são convocados juntos. E também os que não estão.
Entendemos acima o que significa estar presente e não estar. Mas o que significa o contrário? Como poderia estar presente alguém que não esta? Se referirá a parashá a fotos e vídeos da realidade virtual? Talvez.

Mas outra realidade. Não a montada na tela. Senão a montada na memória e na expectativa. Os que não estão e estão ao mesmo tempo, diz o Talmud, são as gerações passadas e as futuras. Ou seja, todas nossas memórias, as fotos gravadas nos nossos hábitos, na nossa personalidade, no caráter, na emoção, nos valores, carregamos junto a nossa presença. Por meio dela, todos os que nos marcaram estão presentes. Nossos sonhos, nossos potenciais, nossos filhos e netos e bisnetos possíveis, físicos ou sociais, os legados que poderíamos deixar, também nos acompanham aonde formos.

A parashá nos desafia a uma presença realmente conectada à verdade de todo nosso ser, passado e futuro, toda vez, em todo lugar e tempo. Para não abandonar ninguém e ser tudo que podemos. De verdade. Sem montagem. Com desenvolvimento autentico. Com consciência plena. Nós e os que levamos conosco. Que possamos consegui-lo.

 

Shabat Shalom
Rabino Dr. Ruben Sternschein