Era um dia ensolarado de 2012. Eu trabalhava como Coordenador do Depto. de Culto da CIP, quando o telefone tocou em minha sala. Da portaria me informavam que um “Seu Gerson” queria entrar para tirar fotos da sinagoga. Sem entender direito, perguntei novamente o nome.

— Gerson. Ele diz que fez a sinagoga.

Imediatamente liguei o nome à pessoa: Gershon Knispel, o renomado artista plástico israelense-brasileiro, criador dos belíssimos vitrais que decoram o teto de nossa sinagoga estava ali e eu imediatamente pedi que entrasse.

Não o conhecia pessoalmente, mas era admirador de suas obras. A Déia havia estado em seu ateliê alguns anos antes para entrevistá-lo para a Revista da CIP e eu teria agora a oportunidade de conversar com ele.

Desci para a sinagoga e imediatamente encontrei cadeiras fora do lugar e um Gershon Knispel, deitado no chão, com uma câmera na mão, instruindo a fotógrafa – que o olhava meio confusa – sobre quais seriam os melhores ângulos para registrar uma de suas obras mais queridas.

Apresentei-me e falei-lhe do imenso prazer que era tê-lo ali, naquele momento. Sua obra mais conhecida é a fachada do prédio da antiga TV Tupi, na Rua Alfonso Bovero, realizada como fruto de um concurso internacional que o “betzaleliano” havia ganhado e que o trouxe ao Brasil – país adotado por Knispel e onde moraria por anos e anos, alternando períodos entre São Paulo e Haifa. Como estávamos ali, pusemo-nos a conversar sobre os vitrais das dezesseis janelas da cúpula da sinagoga, sobre a ideia e inspiração para a obra e sobre o significado de cada um dos vitrais.

Aquela conversa (interrompida algumas vezes pelo próprio artista, que continuava a insistir em mostrar à fotógrafa quais seriam os melhores ângulos para fotografar o espaço) deu origem a inúmeras aulas, bate-papos e textos meus. Aquele encontro deixou uma marca profunda em mim, em minha espiritualidade e em minha relação física com este prédio, a sinagoga que se tornou minha segunda casa em São Paulo.

Gershon não era religioso, muito pelo contrário, dadas as suas posições ideológicas e políticas, mas naquela tarde ele se tornou um rabino. Ele não soube disso – e muito provavelmente rejeitaria o título que eu lhe outorgara (ou talvez o aceitasse apenas para romper com o status quo) -, mas certamente sabia que sua arte ali, naquela sinagoga, inspirava, confortava e iluminava centenas e centenas de pessoas que passavam por nossa CIP.

Nos vitrais, que trazem as palavras-chave da narrativa da Criação divina não se encontra o ser-humano. Sentado em uma das cadeiras, contemplando sua própria criação artística, Gershon “viu que era bom”, olhou pra mim e exclamou: “o ser humano está aqui! Contemplando toda a Obra da Criação!” – ao que respondi: “ou a criação da obra”.

Não mais o encontrei pessoalmente, mas inúmeras vezes me pegava pensando sobre quão curioso é o fato de que as palavras “arte” e “artista”, em hebraico, compartilhem entre si a mesma raiz da palavra “fé” e do termo que evoca a concretização de nossa fé: “amén”.

No último 7 de setembro, às vésperas de completar 86 anos, o artista partiu deste mundo para se encontrar com o Grande Artista. Que sua arte e sua memória sejam fontes de bênçãos e luz, de paz e inspiração.

Theo Hotz
Jerusalém, Tishrêi/5779