“O Eterno disse a Moshé e Aharón”: ‘Quando o Faraó lhes disser: ‘Apresentem algum milagre!’ – diga a Aharón: ‘jogue sua vara diante do Faraó, para que se transforme em uma serpente’. Então Moshé e Aharón vieram até o Faraó e fizeram como o Eterno ordenou” (Ex 7:8-10).
Assim a parashá Vaerá começa a contar sobre os diversos sinais feitos pela Divindade contra o Egito. Mas tem um problema: esse sinal tão único, tão especial, que o passúk acima nos faz acreditar que será um sinal definitivo que convencerá o Faraó, acaba sendo reproduzido sem qualquer dificuldade pelos magos do Egito, que também transformam suas varas em serpentes.
Por gerações a fio isso incomodou os mais diversos comentaristas da Torá. Afinal, por que razão Deus escolheria um sinal desses, sabendo que os magos do Egito seriam capazes de reproduzir o mesmo feito?
Além disso, parece que Moshé e Aharón nem imaginavam que os egípcios pudessem realizar algo da mesma grandeza. Eles confiaram totalmente no Eterno e, se Ele disse que esse sinal seria suficiente para mostrar ao Faraó o Seu poder, obviamente o milagre será memorável, inusitado e sem igual! Mas o texto nos diz que os egípcios reproduziram o ato de Aharón.
Ibn Ezra nos chama a atenção para o passúk 7:11, em que lemos “os magos do Egito fizeram a mesma coisa, através de suas magias”. O comentarista do século XII diz: “está escrito ‘através de suas magias’, porque o que eles fizeram foi um mero truque de mágica; enquanto sobre Moshé o texto afirma que sua vara ‘se transformou em uma serpente’, uma serpente de verdade, não um truque de ilusão”.
Ele também mostra que no passúk 7:12 está escrito “jogaram suas varas”, no plural (“vayashlíḥu”). Daqui, Ibn Ezra conclui que não se trata de apenas um único sinal/milagre, mas sim, dois sinais/milagres: no primeiro, a vara de Aharón se transforma em serpente; no segundo, após voltar a ser vara, ela engole/absorve as varas egípcias.
No século XV, o rabino italiano Ovadia Bartenura, aponta que o texto diz “a vara de Aharón engoliu as varas dos egípcios” (Ex 7:12). “A vara engoliu” – diz Bartenura – “depois de todas já terem voltado a ser varas”.
Outro rabino italiano, Sforno, comenta no século XVI que as varas dos egípcios tinham apenas forma e aparência de serpentes, mas não se movimentavam, enquanto a vara de Aharón teria se transformado completamente em uma serpente, sendo capaz, inclusive, de engolir as outras serpentes.
Para Sforno, ESTE É O SINAL que deveria ser apresentado ao Faraó: de que “somente o Eterno é quem pode dar alma e vida às criaturas, enquanto os magos do Egito nem mesmo puderam lhes dar movimentos”. Somente o Criador é senhor sobre a vida e, portanto, o Faraó não pode ter domínio sobre a vida de centenas de milhares de pessoas escravizadas.
Em pleno século XXI, nós facilmente nos maravilhamos com a capacidade humana de criar coisas maravilhosas, seja do ponto de vista da arte ou da tecnologia. E, perdemos a atenção aos detalhes dos detalhes, às sutilezas das sutilezas, às pequenas maravilhas do cotidiano, em cada pequena criatura que convive conosco no planeta.
Assim como a atenção dos nossos sábios a cada pormenor nos convida a enxergar os grandiosos sinais nessa parashá, a Torá também nos convida a enxergar, nas minúcias da vida, os sinais que nos movem em direção ao aprimoramento pessoal, de nossas comunidades, da sociedade mais ampla e de toda a humanidade – afinal, a mensagem da saída do Egito é, ao mesmo tempo, pessoal e universal.
Shabat shalom,
Moré Theo Hotz
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