É conhecido o ditado judaico: “o homem faz planos e Deus dá risadas”. Nunca esse provérbio foi tão verdadeiro quanto em 2020. Esse foi um ano em que todo e qualquer planejamento precisou ser ajustado, modificado e revisitado inúmeras vezes.

Como rabino da CIP, testemunhei a nossa comunidade sendo testada, repetidas vezes, em sua adaptabilidade e resiliência. Todas as famílias que tinham algo planejado para esse ano tiveram que redesenhar suas festas, cerimônias, projetos e, principalmente, suas expectativas. 

Justamente sobre expectativas eu gostaria de escrever. Percebo que a felicidade está diretamente relacionada com a capacidade de reajustar expectativas. A vida não é o reflexo de um rígido roteiro cinematográfico, mas se aproxima de uma teatro (por vezes engraçado e noutras trágico) de improvisos. E assim foram as cerimônias nos últimos meses e, ao que tudo indica, assim o serão pelos próximos também.

Nessa semana realizei um Bar-Mitzvá de um jovem que estudou três trechos da Torá diferentes, até que sua data se confirmasse e sua cerimônia fosse realizada. Ainda assim, a cerimônia foi completamente diferente daquilo que um dia ele e sua família haviam sonhado. Em função das restrições de viagens, o jovem rezou nos Estados Unidos com parte de sua família, e este rabino estava na CIP com o outra metade dos convidados. Bar-Mitzvá do século 21!

Alguns dias antes, celebrei um casamento para 17 convidados, ao ar livre, em uma linda fazenda no interior de São Paulo para um casal que havia se programado para se casar em Jerusalém. A quebra do copo adquiriu significado renovado e representou, naquele momento, todos os sonhos que foram rompidos e a felicidade que pode (e deve) ser construída com os fragmentos das expectativas estraçalhadas pelos pés da pandemia.

Tanto no Bar-Mitzvá como no casamento havia muita alegria. Essas famílias conseguiram encontrar felicidade no fato de estarem vivas, com saúde e ao lado (da maneira como era possível) das pessoas que mais amam. O homem fez plano, Deus riu e essas famílias conseguiram dar risadas junto com Deus.

Até mesmo nas cerimônias de luto, quando as famílias foram privadas de todo e qualquer ritual presencial, testemunhei indivíduos que conseguiram enxergar um lado positivo da Shivá por Zoom. “Pudemos reunir nossos familiares e amigos da Austrália, Itália, Estados Unidos e Israel, algo que seria impensável nas homenagens presenciais”.

Nesta semana lemos, em Vaietsê, o famoso sonho do patriarca Jacó em que anjos sobem e descem por uma escada que começa na terra e atinge os céus. Quando se desperta do sonho, o patriarca pronuncia a famosa frase “de fato existe Deus neste lugar e eu não havia percebido”. Parece que a escada que conecta a terra ao céu é construída pelos degraus de nossa capacidade de ver o bom no inesperado.

E assim tem sido 2020. Estamos sendo provados, no limite de nossas expectativas, a descobrir Deus e a felicidade onde nunca imaginamos que pudesse estar.

Shabat Shalom,

Rabino Michel Schlesinger