Nos últimos anos, nas cerimônias de Izcór que eu conduzi, eu tenho lido um artigo lindo da Eliane Brum [1] em que ela diz que o nosso mundo morre antes da gente e que, nesse processo, parte de quem somos vai embora também. A verdade é que morremos em parte com cada pessoa querida que nos deixa, perdemos memórias e sonhos.

Para alguns de nós, perdemos aqueles que mais nos conheciam intimamente, com quem compartilhamos os melhores e os mais difíceis momentos de nossas vidas e cujo olhar carinhoso era suficiente para nos sentirmos bem em qualquer situação. Em outros casos, perdemos aqueles que conheciam nossas histórias e as validavam, que compartilhavam experiências comuns, lugares, brincadeiras e códigos de comunicação que ninguém mais entendia. Assim, com sua partida, se foi também parte do nosso passado.

Mas há também as situações em que sentimos que perdemos o potencial do futuro quando pessoas centrais em nossas vidas falecem. Não raras vezes fomos obrigados a abrir mão do sonho de que nossos filhos e netos pudessem conviver por muito tempo com pessoas que foram de profundo impacto nas nossas vidas. Tivemos que lidar com a realidade de que não envelheceríamos ao lado de quem sonhamos ou de que passos importantes das nossas vidas teríamos que dar sozinhos, sem termos aqueles que perdemos ao nosso lado para nos incentivar e fortalecer.

Na segunda benção da Amidá, agradecemos a Deus por “dar vida aos mortos”, uma frase que tem intrigado rabinos há gerações e gerado várias direções de interpretação e formulações alternativas. Há quem a tenha substituído por uma fórmula que  agradece a Deus “por dar vida a tudo que tem vida” e quem literalmente acredite em um momento apocalíptico em que os mortos ressuscitarão e entre essas posições, há muitas abordagens metafóricas que tentam explicar de que forma podemos entender a expressão “dar vida aos mortos”.

No serviço de Izcór, ao relembrar de pessoas queridas que faleceram, tentamos mantê-los conectados à corrente da vida, através de nossas memórias e das condutas e valores que aprendemos deles. 

Buscamos também ressuscitar as partes de nós mesmos que morreram com eles, honrando o papel que as pessoas de quem nos lembramos hoje tiveram em nos tornar quem somos e a chegar onde chegamos. Assim, retomamos nossa relação com nosso próprio passado, suas histórias, lugares, cheiros, sons e experiências, ao mesmo tempo em que conseguimos voltar a sonhar com novas experiências que criaremos daqui para frente. É assim que melhor honramos a memória daqueles que partiram.

 

Shaná Tová uMetucá!

Que seja um ano doce e cheio de novas memórias!

[1] https://bit.ly/3sl4M1Q