Sendo nossos sonhos – Vaietsê

“Eu tenho um sonho”. Esta expressão de Martin Luther King representou o início de uma campanha nacional de combate ao preconceito racial e a erradicação da discriminação nos Estados Unidos. Aquilo que começou como sonho de um indivíduo, transformou-se no engajamento de uma sociedade no fortalecimento do pluralismo étnico. Um negro chegando à presidência dos Estados Unidos, décadas depois, foi a prova mais simbólica de que o sonho de Luther King tornou-se realidade.

A partir desta parashá, Veietsê, até o final do livro de Bereshit, os sonhos terão um lugar de destaque. Primeiro os sonhos do patriarca Jacób, uma escada com anjos subindo e descendo e uma luta contra um anjo de Deus. Em seguida, a história de Iossef começa a ser contada. Os sonhos são elementos essenciais em toda a trajetória do filho preferido de Iaacóv. Primeiro os sonhos de supremacia de José desencadeiam a inveja de seus irmãos, depois os sonhos dos ministros do Faraó ajudam Iosséf a ganhar fama na prisão e finalmente a interpretação dos sonhos do Faraó rendem a José uma posição de destaque na hierarquia egípcia.

A Torá entende os sonhos como um alerta sobre o futuro. Os sonhos bíblicos têm caráter premonitório, avisam sobre o que irá acontecer. A interpretação desses sonhos é uma maneira de se preparar corretamente para algo que ocorrerá de qualquer maneira.

É muito interessante verificar como o Talmud entende o sonho de uma forma bem diferente. Assim está escrito: “chelma dela mipashar keigarta dela mikaria” (Brachót 55b), “um sonho que não foi interpretado é como uma carta que não foi lida”. Ou seja, toda a importância de um sonho está em sua interpretação. 

O Talmud diz ainda o seguinte: “havia em Jerusalém 24 intérpretes de sonhos, certa vez tive um sonho e fui ouvir a todos eles. Cada um deu uma interpretação diferente e todos elas se concretizaram para provar aquilo que foi dito: col hachalomot holchim achar hape, todos os sonhos seguem o que diz a boca.” (idem)

Assim, é possível concluir que o Talmud introduz a ideia de que o sonho não traz algo que acontecerá de qualquer maneira, mas as interpretações que se faz dos sonhos são responsáveis por determinar o futuro.

Na modernidade, a psicologia tratou com muita profundidade o assunto dos sonhos. Foi forjada a noção de que os sonhos permitem uma revelação do inconsciente humano. Quando sonhamos, lidamos com nossas angústias e desejos. Uma interpretação acurada de nossos sonhos nos ajuda a nos conhecer cada vez melhor e, por conseqüência, faz com que enfrentemos com consciência nossos medos e anseios.

Que possamos sonhar, assim como Jacób, Iossêf e Luther King, um dia, sonharam. Que a interpretação dos nossos sonhos permita que nos conheçamos melhor e busquemos dentro de nós ferramentas para traduzir nossos sonhos em conquistas individuais e coletivas.

Shabat Shalom.

Um abraço,

 

Rabino Michel Schlesinger