Você designará juízes e policiais em cada uma de suas tribos, e eles julgarão o povo com retidão. Você não deve torcer o juízo, nem deve fazer distinção entre as pessoas. Não aceite o suborno, pois ele cega os olhos dos sábios e perverte as palavras dos justos. A justiça. A justiça você deve buscar, para que haja vida” (Dt 16:18-20).

Os três primeiros versículos da parashat Shoftím nos orientam sobre quatro coisas: 1) estabelecer um sistema judiciário e legal eficiente, reto e honesto; 2) comprometimento pessoal para que cada um de nós sejamos justos e tratemo-nos uns aos outros como iguais perante a Lei; 3) o compromisso ético e moral de não tomar subornos e, por derivação, não subornar a outros; 4) a busca pela justiça – palavra repetida duas vezes seguidas: tsédec tsédec tirdóf.

Dos dois primeiros itens aprendemos que não basta apenas que o corpo judicial seja honesto e reto, mas também que cada cidadão deve ser correto em seu cotidiano, não fazendo diferença entre as pessoas, beneficiando somente uns e prejudicando outros.

No terceiro item, há uma frase que, a princípio, parece óbvia, mas prestemos a devida atenção ao que é dito: “Não aceite o suborno, pois ele cega os olhos dos sábios e perverte as palavras dos justos”.

Segundo a Torá, o suborno não cega somente os olhos dos mais fracos de moral, o suborno não distorce as palavras apenas dos desonestos. A Torá é consciente do poder que o suborno pode ter sobre o ser humano – incluindo os mais fortes moralmente: os sábios e os justos.

Ou seja, se o suborno e a propina têm grande poder sobre sábios e justos, maior ainda é seu poder sobre os demais seres humanos.

O Poder Judiciário, preconizado pela parashá, é uma das esferas do Governo. A palavra “governo”, em hebraico, tem a mesma raiz da palavra “modelo/exemplo” (“meMSHaLá”/”MaSHaL” – מ.ש.ל.) – de onde podemos entender que o Governo serve de modelo/exemplo de conduta para seu povo, ao mesmo tempo em que o Governo é o próprio retrato do modelo/exemplo dado pelo povo.

O ditado popular diz que “cada povo tem o Governo que merece”. Será mesmo uma questão de merecer ou não merecer tal Governo? Ou seria uma questão de dar ou não anuência e legitimidade a este ou àquele governo? Na esfera do Governo não se encontram “super-humanos”, “semideuses”, ou “seres mitológicos”, mas sim simples cidadãos, pessoas iguaizinhas a mim e a você e que deveriam se preocupar de forma ampla com cada cidadão, assim como se preocupava Moshé Rabêinu.

Numa esfera ideal, se cada cidadão se comprometesse profundamente com a retidão e a honestidade, como nos fala a parashá Shoftím, só haveria cidadãos retos e justos a serem escolhidos para governar a sociedade.

Por fim, a Torá nos diz: tsédec tsédec tirdóf – a justiça, a justiça buscarás. Outra forma de se entender a repetição da palavra “tsédec” é compreendê-la em outro contexto: “uma justiça justa buscarás, para que tenhas vida”.

Estamos no mês de Elul, quando somos convidados a fazer nosso Ḥeshbón Néfesh, o balanço da alma, e perscrutar em nosso íntimo nossos atos de justiça e injustiça, mas não somente como uma simples constatação de que somos imperfeitos e passíveis de erros.

Elul nos intima a repararmos nossas pequenas e grandes transgressões contra nossos semelhantes e transformarmos o que era tortuoso em retidão, o que foi injustiça em justiça para que, assim, possamos viver plenamente.

Que saibamos ser seres humanos corretos, que não tomemos subornos e propinas, para que possamos construir uma sociedade com “justiça justa” para todos, em que não haja distinção entre uns e outros perante a Lei. Para que haja vida.

 

Shabat shalom veElul tov.

Moré Theo Hotz