Zygmunt Bauman, gigante sociólogo de nossa era, propõe a metáfora de que o tempo é líquido para explicar a descoberta do dinamismo e da instabilidade essenciais de tudo.
A parashá da semana nos mostra uma realidade líquida, verdadeira, que expressa outras metáforas a respeito do tempo. No relato, os hebreus perseguidos pelos egípcios arrependidos por acabar de libertá-los não têm alternativa a não ser se jogar no mar ou voltar à escravidão. Nesse momento as águas se abrem fisicamente, realmente, e formam duas paredes firmes de água, ao lado de um caminho seco e seguro no meio. Por ele, passavam os hebreus libertos carregando os ossos de José, que, 400 anos antes, os tinha levado até o Egito para salvá-los da fome.
Até aqui, a Torá relata, de fato, a realidade física.
As metáforas, no entanto, são várias.
Ondas de mares podem nos ameaçar, nos arrastar ou nos invitar a surfar e voar a outras realidades. Podem também ser paredes que nos comuniquem ou nos isolem, nos protejam ou nos afoguem, como toda proteção exacerbada. Mares podem ser insondáveis, mas podem também se abrir, podem separar e podem levar. Podem afogar e podem levantar.
Os ossos de José carregados representam o passado que nunca é apagado nem abandonado totalmente. Ele existe e é “carregado” para sempre. Sempre influencia de algum modo: como exemplo, como pesadelo, como cela, como motor. Ele pode nos deixar mais pesados ou mais leves. Pode nos indicar o caminho a seguir ou o caminho a ser mudado. Ele determina como vemos o futuro e o futuro determinará depois, em retrospectiva, o valor e o sentido desse passado.
Na realidade líquida de Bauman nada permanece totalmente, nada é suscetível de ser sustentado ou sustentável totalmente.
No mar da parashá, tudo está presente e viaja sem se apagar, tudo se comunica e, assim, se perpetua. O mar vira parede e caminho ao mesmo tempo, o passado viaja ao futuro e o futuro determinará o significado do passado. Enquanto isso, o presente é um constante ir junto a ambos.
Shabat shalom,
Rabino Dr. Ruben Sternschein
Confira outros comentários sobre a parashat Beshalách:
Milagres divinos, ações humanas | Parashat Beshalách
Shabat shirá, o shabat da canção. Na parashá Beshalách nós lemos sobre a abertura do Mar Vermelho e a canção entoada por Moshé e os hebreus e por Miriam e as hebreias, pela vitória dos israelitas sobre os egípcios. Já o texto da haftará traz a canção entoada por...
4 apontamentos sobre a parashat BeShalách
1 - LeDor vaDor Ao sair da escravidão no Egito, a parashá da semana faz questão de se deter ao detalhe de que Moisés pegou os restos de José e os levou na travessia do deserto para serem enterrados na Terra de Israel, segundo o acordado. Uma nova jornada começava,...
Pluralismo para a direita e para a esquerda | Parashat BeShalách
Assim disse o rabino Iossef, filho do rabino Chanina: “A voz de Deus falou com cada pessoa de acordo com sua capacidade... Agora, se cada pessoa era capaz de experimentar o Maná de acordo com sua individualidade particular, as pessoas eram ainda mais aptas de escutar...