A parashá desta semana é sempre difícil para mim. É uma parashá que nos apresenta o que acontecerá se cumprirmos as leis e preceitos e o que acontecerá se nos afastarmos deles. Uma lista de bênçãos e maldições, uma visão binária do mundo e de nós, seres humanos.

Estudando ao longo desta semana, fui tomada de maneira diferente por seu começo: “Se vocês andarem nas Minhas leis e cumprirem meus mandamentos” (Levítico 26:3). O que quer dizer “andarem nos meus estatutos”? Qual é o sentido de caminhar nas leis? Por que essa ideia que implica movimento?

Nossos sábios interpretaram esse versículo perguntando-se sobre o uso da palavra “andar”; o intelectual Yeshayahu Leibowitz (irmão de Nechama Leibowitz), em seu livro “Sete anos de conversas sobre a parashá da semana” resume essa questão da seguinte maneira:

“Andar nos estatutos”, no sentido de respeitar as leis e os preceitos, faz referência àquilo que diferencia o ser humano. Respeitar a Torá e as mitzvot não é o respeito a uma situação dada, mas um processo (tahalich em hebraico tem a mesma raiz que o verbo andar), e é importante prestar atenção à ideia de “processo”. O ser humano nunca está numa situação estática, ele cria a realidade enquanto anda por um caminho determinado, e assim alcança e desenvolve sua realidade, sendo nesse sentido diferente de todas as criaturas da Criação.

Pensando na ideia de andar, caminhar, refleti sobre a relação entre os seres humanos, sempre mutáveis, e Deus, o Eterno. Rapidamente, vieram a mim algumas ideias de figuras da Torá com cujo andar aprendemos algo sobre quem eram, sobre suas personalidades, seus desafios e sua relação com Deus.

Começando pelo Jardim do Éden, está escrito: “A hora da brisa do dia, eles escutaram o som do Eterno Deus andando pelo Jardim; o homem e sua esposa se esconderam do Eterno Deus em meio as arvores”. (Gênesis 3:8). Adam e Chavá podiam ouvir Deus “andando” no jardim depois de terem comido do fruto proibido. Nessa cena, Deus e os primeiros seres humanos não estão juntos, não sentimos uma relação entre eles fora da legalidade, da expectativa de que obedeçam ao Criador do universo. São personagens separados e independentes, e quem anda no jardim, enquanto Adam e Chavá se escondem, é Deus.

Alguns capítulos depois, encontramo-nos com Noé, sobre quem está escrito: “Estas e a crônica de Noé. Noé era um homem justo; em sua geração, estava acima de reprovações; Noé andava com Deus”. (Gênesis 6:9) Aqui, sentimos alguma proteção, uma relação de cuidado do Criador para com Noé. Eles andavam juntos, talvez por ser Noé justo e inocente.

A Torá diz sobre nosso patriarca Avraham: “Quando Abraham tinha 99 anos, o Eterno lhe apareceu e disse: Eu sou El Shadai — ande diante de Mim e seja puro de coração”. (Gênesis 17:1.) Avraham, o caminhante por excelência (Lech Lechá), andara à frente de Deus, respaldado por Deus, como uma força sobre suas costas que o acompanhava e lhe dava fé e força para seguir em seu caminho.

Esses três exemplos nos apresentam diferentes formas de andar e diferentes maneiras de nos relacionarmos com Deus. Na parashá desta semana também está escrito: “Estarei presente sempre no meio de vocês: Eu serei seu Deus e vocês serão Meu povo”. (Levítico 26:12) 

A ideia de “andar nos preceitos” está, para mim, relacionada direta e intimamente com nossa relação com Deus. Uma relação que pode evoluir, mudar e se transformar, a depender da realidade que vivemos e criamos. Às vezes nos sentimos sós, com um Deus que anda enquanto nós ficamos escondidos. Outras vezes nos sentimos acompanhados e conscientes da parceria, do pacto. Algumas vezes andamos diante de Deus sentindo que Ele é a força que nos empurra.

Como nos ensina Leibowitz, andar e estar em movimento nos transforma e nos faz crescer não só física mas espiritualmente, e é algo inerente à nossa condição de seres humanos.

Queira Deus e queiramos nós que nos perguntemos com mais frequência para onde estamos indo, como e quando nos encontramos com Deus, e que sejamos abençoados juntamente com as obras de nossas mãos e os caminhos que escolhemos.

 

Shabat shalom,

Rabina Tati Schagas