Benefício próprio e alheio

Três assuntos aparentemente desconexos protagonizam esta parashá.
 
O primeiro, é a ida do patriarca Abraham para a terra de Canaã que depois será a terra de Israel. O segundo, é a intervenção de Abraham numa luta alheia para fazer justiça e resgatar seu sobrinho cativo. O terceiro, é o pacto que Abraham faz com Deus marcado pela circuncisão.
 
Acredito que a chave da conexão encontra-se em duas palavras incluídas no famoso “lech lecha” (“vá para ti”) que dá o nome à parashá e nada mais é do que o mandato de ir à terra de Israel. Elas são: “seja bênção”. A primeira aliá da história que poderia se entender como um movimento “particularista”, que busca apenas seu próprio benefício, olhando para si e para os próprios, deixando atrás tudo que o definia antes, aparece com um objetivo bem diferente: “seja bênção e se abençoem em ti todas as famílias da terra”.
 
Criar uma bênção para os outros consiste, em primeiro lugar, em encontrar as chaves da bênção que cada um pode ser. Às vezes essa é uma longa viagem em direção a nós mesmos, para descobrir forças, fraquezas e para administrar virtudes e defeitos. Por meio dela começamos a perceber a realidade de um modo diferente e vislumbramos nossas possibilidades de fazer diferenças – nela e em nós mesmos. O alheio e o próprio se fundem muitas vezes. Beneficiamos ou prejudicamos um por meio do outro, geralmente.
 
Abraham saiu do conforto conhecido da casa de seu pai em direção a regiões inusitadas de si que encontraria numa terra indefinida. Sem nome e sem coordenadas geográficas, o novo local providenciou a Abraham a oportunidade de descobrir sua capacidade para reconhecer injustiças e assumir a responsabilidade por sará-las. Essa experiência se tornaria um modelo de atuação para sempre, não somente para si como para toda sua descendência. Por esse motivo, ficaria caracterizada como um pacto perene marcado pela circuncisão.
 
Em outras palavras: segundo a parashá, a relação com a terra de Israel é acima de tudo o compromisso eterno de buscar constantemente as fontes de nossas bênçãos, desenvolvê-las e permitir que outros se abençoem com elas. Esse processo requerirá transformações íntimas, das próprias naturezas que se representam na circuncisão. A Torá e os profetas mais tarde, usarão o termo como metáfora, falando de “circuncidar o coração”.
 
Que reconheçamos com coragem e sabedoria os caminhos que nos conduzem a nossas melhores transformações para viver, trilhando-os na esperança de que sejamos bênção.
 
Shabat shalom
Rabino Dr. Ruben Sternschein