ESSA MITSVÁ que eu ordeno hoje não está escondida nem está longe de você. Ela não está nos céus, para que você não diga: ‘quem subirá por nós aos céus para trazê-la para nós, para que possamos ouvi-la e observá-la?’; E ela não está além do mar, para que você não diga: ‘quem cruzará o mar por nós para trazê-la para nós, para que possamos ouvi-la e observá-la?’. Ela está muito perto de você: em sua boca e em seu coração, para que você possa observá-la” (Dt 30:11-14).

Neste trecho emblemático do discurso de Moshé, nossos sábios explicam que a palavra “mitsvá” se refere à Torá como um todo, ao mesmo tempo que os versículos nos relembram que ela não está em um lugar impossível de se chegar, mas sim, está perto de nós, ao nosso alcance.

Os termos “ela não está nos céus” e “ela não está além do mar” foram interpretados também de outras formas por nossos sábios. No Talmud (Eruvin, 55a) lemos as opiniões de Rava e de Rabi Yoḥanán. Diz Rava:

“‘Ela não está nos céus” significa que ela não será encontrada por meio daquele que considera seu conhecimento maior que a própria Torá, ou que pensa já saber tudo e que não mais precisa de seus professores para compreendê-la e não revisa o que foi aprendido”.

Segundo Rava, o verdadeiro mestre deve ser alguém que se coloque modestamente diante do conhecimento que transmite, deve ser alguém que compreenda a simples verdade de que ele mesmo também não sabe tudo, e que tem a humildade de rever seus estudos e reconhecer que também ele precisa de seus próprios mestres para transmitir a Torá.

De Rabi Yoḥanán, aprendemos: “‘Ela não está nos céus’ significa que ela não será encontrada por meio de alguém arrogante; “‘Ela não está além do mar’ significa que ela não será encontrada entre aqueles que sejam negociantes e mercadores”.

Segundo a tradição, Rabi Yoḥanán entende que o arrogante vê a si mesmo como se ele estivesse nos céus, como se ele mesmo fosse divino. O mestre arrogante vê a si mesmo como escolhido pelo próprio Deus, ele se enxerga como divino, e acredita que seu ensinamento é a única verdade e ele não aceita nem pode ser contestado.

O mestre arrogante acredita ser o dono desse ensinamento e facilmente se torna um mercador da fé e negociador de bênçãos. Portando-se como único mediador entre a Torá e seus alunos, ele se vê no direito de monopolizá-la e negociá-la como um produto material.

Talvez por isso Moshé Rabêinu nos lembre: “Ela está muito próxima de você, em seus lábios e em seu coração”. A Torá é acessível a todos justamente para que os alunos possam estudar junto com seus mestres, possam questioná-los e até mesmo discordar deles.

Alunos humildemente questionam a seus mestres que humildemente aceitam ser questionados. A discordância respeitosa entre opiniões não deve criar inimigos, mas sim, enriquecer os dois (ou mais) lados de cada questão.

Atém nitsavím hayóm cul’ḥém” – “Vocês todos estão presentes hoje” (Dt 29:9). Hoje, às vésperas de Rosh HaShaná devemos estar presentes diante de nossos semelhantes com respeito e consideração, e diante do Eterno não de modo altivo, arrogante e soberbo, mas sim com modéstia, humildade e simplicidade.

Para que sejamos todos inscritos no Livro da Vida para um ano bom e doce.

 

Shabat Shalom veShaná Tová.

Moré Theo Hotz