“Estamos perdidas uma para a outra por tanto tempo. Meu nome não significa nada para você. Minha memória é poeira. Isso não é culpa sua ou minha. Uma corrente que ligava mãe e filha foi rompida e a palavra passada aos cuidados de homens, que não tinham como saber. É por isso que me tornei uma nota de rodapé, minha história, um breve desvio entre a conhecida história de meu pai, Iaacov, e a famosa crônica de Iossêf, meu irmão. Nas raras ocasiões em que fui lembrada, era como uma vítima. Perto do começo do teu livro sagrado, há uma passagem que parece dizer que eu fui estuprada e continua com a história sangrenta  de como minha honra foi vingada.

É uma maravilha que qualquer mãe tenha chamado uma filha de Diná novamente. Mais algumas o fizeram. Talvez você tenha adivinhado que para mim havia mais do que mensagem cifrada e sem voz do texto… ” (A Tenda Vermelha – Anita Diamant)

Assim começa o prefácio do maravilhoso livro de Anita Diamant, jornalista americana e autora de vários livros sobre a vida judaica contemporânea. Diamant reconta e, dessa forma, também interpreta a história de Dina, a única descendente feminina do patriarca Jacó nomeada na Torá. Yaakov teve 13 filhos, 12 homens que se tornaram as tribos de Israel, e uma filha mulher muitas vezes esquecida. 

Escolhi esta semana trazer este texto como um comentário sobre a parashá como um convite não apenas para ler o texto de nossa Torá, mas também para ousar estudar midrashim modernos e leituras que incluem vozes que não foram ouvidas em nossa tradição.

Em muitas comunidades ao redor do mundo, este Shabat tem sido chamado de “Shabat Diná” há alguns anos e é dedicado a questões relacionadas à violência de gênero. Muitas vezes, quando pensamos neste tipo de violência, pensamos diretamente em nossas irmãs assassinadas, estupradas, espancadas. Quero sugerir hoje que a violência é uma ferramenta que tenta primeiro silenciar, e que a violência não começa com expressões físicas, mas sociais, culturais e psicológicas. Gostaria de propor que “Shabat Diná” seja o início de um processo de aprendizagem, escuta e empatia. Comecemos uma vez por ano a nos perguntar a voz de quem ainda não foi ouvida em nossa comunidade, a quem não demos oportunidade de se apresentar, quem ainda não entrou em nossa casa, que textos devem ser relidos e interpretados por quem foi enfraquecido.

Que cada um de nós seja um exemplo de acolhimento e inclusão, que sejamos capazes, não só de fazer ouvir a nossa voz, mas também de aprender a ouvir os outros. Que possamos descobrir novos mundos abrindo espaços para quem está silenciado. Que nunca percamos a história e os nomes de nossas irmãs, irmãos e irmes; que suas vidas não sejam apenas uma nota de rodapé para que, todos juntos, possamos ter um papel de protagonismo na narrativa do nosso povo.

 

Shabat Shalom,

Rabina Tati Schagas