Chegamos ao fim do primeiro livro da Torá. Nessa semana, a parashat Vaichí nos acompanha na despedida de Yaacóv e também de seu filho Yossêf.
Conta o midrash que quando Israel (Yaacóv) sentiu que estava para se despedir desse mundo, chamou seus doze filhos, e preocupado lhes perguntou: “O meu Deus e Deus de meus antepassados é o Pai de vocês? Ou existe alguma dúvida sobre a Divindade em seus corações?”
Em resposta, seus filhos lhe disseram: “Escute, Israel! [Fique tranquilo, porque] o Eterno é nosso Deus. O Eterno, o Uno!” (“Shemá, Israel! Adonai Elohênu. Adonai Echád”). Ouvindo essas palavras, Yaacóv murmurou: “Baruch Shem, kevód Malchutó Leolám vaêd” (“Bendito é O Nome Divino, cujo glorioso Reino perdura eternamente”). Comentam então os sábios: “é por esse motivo que nós repetimos duas vezes todos os dias ‘ouça, Israel [nosso pai, tudo o que nos ensinou] o Eterno nosso Deus [nós continuamos praticando]. O Eterno é o Uno!’” (Bereshít rabá, 98).
Segundo o midrash, quando dizemos “Shemá Israel”, não estamos falando para o povo de Israel, mas sim, estamos fazendo com que nossas vozes viajem no tempo até Yaacóv, testemunhando a ele que continuamos aqui, e que não se perdeu nossa fé e confiança, e que é da mesma Divindade que todos os dias nos vêm a esperança que nos fortalece para continuar a transformar positivamente o mundo – mesmo que cometamos erros pelo caminho.
Assim como o próprio Yaacóv que, na juventude, havia enganado seu pai para receber a bênção que cabia a seu irmão, se transformou nessa parashá no patriarca Israel, que faz questão de abençoar a seus dois netos de modo igual, independentemente da ordem, sem fazer diferenciações.
O mesmo podemos dizer dele com relação a seus próprios filhos. Antes, Yaacóv era um pai cheio de favoritismos com relação a Yossêf, mas agora, Israel abençoa um por um de seus filhos, reconhecendo suas diferenças e utilizando as características pessoais de cada um para abençoá-los.
Ao dirigir uma mensagem pessoal a cada um de seus filhos, Israel demonstra seu amor igualmente, independentemente do quão diferente sejam os irmãos entre si.
São os descendentes desses filhos que darão origem à antiga civilização hebraica, ao povo de Israel, aos judeus. Milênios após os filhos de Yaacóv, nós continuamos sendo diferentes entre nós. Sefaradim, ashkenazim, mizrachím, italianos, magrebinos, bucharim, entre outros, somos diferentes em vários costumes e ritos, temos diferentes liturgias, diferentes práticas, diferentes idiomas e até mesmo diferentes formas de pronunciar o mesmo hebraico.
Temos entre nós quem seja rigorosamente religioso, temos quem seja flexível e renovador em relação à religiosidade e sua prática, temos quem não seja religioso de maneira alguma. Há comunidades mais abertas e há aquelas mais fechadas, algumas mais modernas, enquanto outras são mais tradicionais. Mas ao fim todos fazemos nossas vozes ecoarem pela história, garantindo a Yaacóv e a nossos antepassados que continuamos totalmente diferentes uns dos outros – graças a Deus! E que, nessa diferença, continuamos sendo os mesmos, com uma origem comum.
Diferentes irmãos, filhos do mesmo Israel.
De certo modo, sempre houve diferentes correntes judaicas, pois sempre houve judeus mais racionalistas e judeus mais espiritualistas, comunidades mais introspectivas e meditativas, e comunidades mais expansivas, sinagogas em que se canta e dança e sinagogas de serviços religiosos formais e solenes.
Independentemente das inclinações religiosas ou não religiosas, nossa herança é a mesma – “a herança da comunidade de Yaacóv” (“morashá kehilát Yaacóv”) – a Torá, lida, vivida e interpretada das mais diversas formas. Dela emana nossa força e capacidade de nos aprimorar, de fortalecer uns aos outros e ser fortalecidos uns pelos outros.
Chazák, chazák, venit’chazêk!
Shabat shalom.
Moré Theo Hotz
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