Judaísmo civil além da religião

Costumamos pensar que o judaísmo é uma religião. Como tal se supõe que coloca no centro uma fé, um dogma, uns rituais a serem realizados principalmente durante o culto numa sinagoga, tem umas autoridades que principalmente servem para conduzir esses rituais e para indicar o que é proibido ou permitido e em alguns casos até teriam uma certa santidade pela proximidade ao culto e à lei, e portanto poderiam rezar por nós, condenar, absolver e predizer o futuro. As pessoas mais próximas e mais observantes dessa fé e desses rituais seriam os mais religiosos e os que fizerem menos rituais ou tivessem menos fé seriam os menos religiosos.
Todavia, o judaísmo não funciona assim.
Ele não se define como religião uma vez que a palavra religião nem existe no hebraico original ( “dat” é palavra persa que aparece somente na meguilat Ester e com o significado de lei pou edito real pricnipalmente). Embora nas últimas décadas os padrões acima tenham invadido muitos setores, especialmente os ortodoxos e os seculares, as principais fontes judaicas de todos os tempos focam a ação no mundo por cima dos rituais gerais e muito por cima da fé. Os rabinos não são mais que humanos, não absolvem nem condenam, não têm poderes videntes e sua autoridade se sustenta no seu estudo, no seu ser mestre. Sua liderança deriva de sua capacidade de compreender e abraçar com sensibilidade e competência a humanidade de seus congregantes. Por meio delas conquistará ou não seu lugar.
O judaísmo não fala principalmente de Deus e não se circunscreve ao culto e ao relacionamento com a divindade. Fala de humanidade, de negócios, de espiritualidade pessoal, de responsabilidade social e ecológica, de justiça, de política.
Esses últimos assuntos aparecem, justamente na parashá da semana. O dever de fazer justiça, sem aceitar suborno, sem se impressionar pelas aparências, julgando com cuidado, com sensibilidade, com profundidade e com equidade. Aparece na parasha o receio da monarquia e de qualquer poder centralizado, a advertência dos abusos dos poderosos, do dever que os controla como delegados e servidores de quem os coroou e a importância de preservar a lei e os valores compartilhados pela cultura acima de seu poder. Os reis deviam escrever uma cópia da Torá e possuí-la como garantia de que eles nunca se colocariam por cima ou isentados da mesma lei vigente para o povo. Também os profetas são limitados nesta parashá enfatizando a humanidade sempre parcial como no caso dos juízes e monarcas, e finalmente aparece a responsabilidade diante das árvores e outros indefesos durante as guerras.
Estes e outros valores, acima dos rituais da sinagoga e da fé são os que caracterizaram na Torá e no Talmud a condição judaica.
Que possamos guardá-los, desenvolvê-los e praticá-los nas nossas vidas individuais, comunitárias e especialmente civis nestes tempos de eleições e julgamentos.
Shabat Shalom
Rabino Dr. Ruben Sternschein