Judaísmo e magia
David Copperfield, Houdini, Mr. M, Issao Imamura, entre tantos outros. Os mágicos sempre fascinaram pessoas de diferentes gerações. Confesso a vocês que sou um admirador dos truques de magia desde pequeno. Quando meus pais me levavam para o shopping, me deixavam na loja de mágica e vinham me buscar depois de várias horas. Poucos presentes me deixavam tão feliz quanto um kit de mágicas.
A história de Balac e Bilam, contada nesta semana pela Torá, na sequência da leitura de Chucát, descreve diversas passagens mágicas. Bençãos e maldições, um anjo invisível e até uma mula que fala. Penso ser esta uma boa oportunidade para revisitar o conceito de magia em geral e pesquisar a importância da mágica em nossas vidas, em particular.
Deus é o maior mago do universo. Sua biografia começa com uma sequência de truques fenomenais. No primeiro dia, o céu e a terra, a luz e a escuridão, o dia e a noite, no quarto dia o sol, a lua e as estrelas. No sexto dia, veio o grand finale de seu maior espetáculo, Deus criou o homem e a mulher. Os encantamentos não pararam por aí, chuva de quarenta dias, arco-íris, bagunça de idiomas, estátua de sal, pragas, abertura de mar, comida que vem do céu, água que sai da pedra, para citar apenas alguns.
Quando o homem se aventura no universo da magia, acredito eu que ele quer ficar mais próximo de Deus. O mágico imita o Criador do Universo ao desafiar as leis da física, da química, da natureza. Em minha opinião, a mística atrai tanta atenção porque transforma o estudioso em um aprendiz do próprio Deus. Assuntos como cabalá, vida após a morte, exorcismo, ressurreição, exercem um verdadeiro fascínio porque nos transportam para o mundo Daquele que dá a vida para todos os seres e a retira em momento que julga adequado.
Segundo Avraham Iehoshua Heschel, o nosso maior desafio é se encantar com a vida e manter esse encantamento sempre vivo. A raiz da religião é, para o rabino Heschel, a pergunta do que devemos fazer com nosso senso de encantamento. Assim escreveu o filósofo contemporâneo, “Quando estamos em dúvida, levantamos perguntas, quando estamos maravilhados, não sabemos como elaborar perguntas. Dúvidas podem ser resolvidas, o encantamento nunca pode ser apagado” (Man is Not Alone, p. 13).
A maior magia do universo é a vida. Para nos aproximar de Deus, não precisamos abrir mar ou tirar água da pedra. Precisamos, sim, valorizar a nossa vida e as vidas das outras pessoas. Toda vez que vivemos felizes, realizamos o maior dos truques. Cada oportunidade que aproveitamos para garantir que outros vivam felizes, recriamos o homem e a mulher.
Dizemos na reza: “hamechadesh betuvô col iom tamid maassê bereshit”, Deus renova com sua bondade, todos os dias, a criação do universo. E como Ele faz isso? Por meio do nosso potencial de fazer o bem. Fazemos “ocus pócus” cada vez que ajudamos alguém. Um abraço carinhoso é um “sinsalabim”. Deixar alguém realmente feliz é um enorme “abre-te sésamo”.
A maior das magias não está em um mundo distante, não foi revelada para um grupo seleto de místicos, não pertence a alguns poucos alquimistas. Que possamos nos maravilhar com o maior “abracadabra” do universo, a vida.
Shabat Shalom
Rabino Michel Schlesinger