Kavaná: motivações e intenções

Todos se preocupam diariamente com a pandemia, e com o passado, o presente e o futuro, em função de seu impacto. Porém nem sempre pelas mesmas razões.
Uns estão preocupados com seus negócios. Outros com suas viagens. Uns gostariam de passear pelo bairro e pela cidade, outros visitar seus pais. Uns se preocupam com os valores, ou a falta deles, que a pandemia desnudou na macro política e nas pequenas políticas de sociedades, instituições (clubes, sinagogas, escolas) e empresas. Outros se preocupam com a própria vida, uma vez que lembraram a fragilidade e o pouco controle que temos sobre tudo. Uns não podem se preocupar com nada porque estão em risco extremo: sem alimento, higiene ou saúde, e apenas os outros pensam neles.
As razões pelas quais nos preocupamos, pensamos ou agimos dizem muito sobre quem somos. Não basta falar do assunto, se ocupar, se preocupar, nem sequer realizar. É importante o porquê. Em hebraico, isso se chama kavaná.
Lemos duas parashiot nesta semana. Ambas apontam a esse desafio da essência humana. Na primeira, Matot, duas das doze tribos pedem para ficar com terras limítrofes à terra de Israel que são mais propícias para o tipo de gado que elas têm. Na argumentação, dizem que construirão “abrigos para seus animais e moradias para suas famílias”. Moshé, ao autorizar, inverte a ordem, colocando primeiro as famílias e depois o gado, para assinalar a importância dos valores escondidos na priorização: eles querem cuidar do gado para cuidar das famílias ou vice-versa? Quem serve a quem? Os bens às pessoas ou as pessoas existem para desenvolver os bens? Queremos atender nossos parceiros e filhos com a ajuda dos nossos bens, ou queremos a ajuda de nossos parceiros e filhos para conseguir nossos bens?
A segunda parashá, Massei, detalha cada local no qual passaram e pararam nossos antepassados na travessia desde Egito até a terra de Israel. O comentaristas se dividiram por causa de tanta informação. Destaco os que sugeriram que os detalhes importam por duas razões: 1) porque em cada circunstância temos oportunidades de tudo: crescimento, indiferença, superficialidade, generosidade, profundidade, rivalidade, amor, apatia, vontade; 2) porque são os detalhes, especialmente aqueles sobre o modo como se realizam as jornadas, que fazem as diferenças. Cada festa, conversa, briga, acordo, empreendimento, doença ou crise, depende de inúmeros detalhes.
Ambos relatos foram registrados para serem passados como legado aos que iriam herdar a história, as terras, os bens, as oportunidades e os desafios. Esses somos nós.
Cabe a nós nos perguntarmos o que faremos com essa herança. Repetiremos, perderemos, enriqueceremos, seremos indiferentes, prestaremos atenção a detalhes? Qual kavaná colocaremos em cada empreendimento grande, e qual em cada travessia, e qual em cada parada?
Talvez, pela primeira vez, muitos de nós estamos sendo chamados especialmente a participar ativamente de umas eleições que podem influenciar Israel. Pela primeira vez, fazem questão justamente de pedir que, sim, nos manifestemos, que contribuamos com opinião, não apenas com apoio. Que digamos que país queremos, com quais valores e, especialmente, com qual judaísmo, qual democracia, qual modernidade e quais direitos humanos.
Que possamos trazer nossa melhor kavaná e realizar nossas melhores ações nessas jornadas de prova.
 
Shabat Shalom,
Rabino dr. Ruben Sternschein