Uma das tradições que acreditamos ser das mais antigas e verdadeiras é a do sêder de Pêssach. Todavia, são inúmeras as diferenças entre famílias, comunidades e regiões que “entregam” a suspeita de que não é bem assim.
Ao mergulharmos na literatura rabínica desenvolvida principalmente entre os séculos I AEC e VI DEC comprovamos que o sêder apareceu nessa época, após longas discussões ideológicas, pedagógicas, teológicas e filosóficas. Não só que o sêder não é tão antigo assim, nem único, mas também que é uma clara inovação rabínica: séculos após a saída do Egito, nossos antepassados não celebravam o Pêssach como nós o fazemos hoje, embora já tenham transcorridos muitos séculos desde a instalação desta reforma.
Uma leve olhada na leitura da Torá da manhã seguinte ao sêder nos mostra como foi o primeiro deles e deixa claras as grandes diferenças com o nosso. No Pêssach do Egito nossos antepassados vestiam roupas leves para a longa caminhada, jantaram rápido, apenas o pão que mal conseguiam fazer por falta de recursos e de tempo e estavam repletos de medo e incerteza. Nem sentaram para não perder tempo. Comemos reclinados um verdadeiro banquete, elegantes e tranquilos demais muitas vezes.
Talvez ter consciência destas diferenças nos permita entrar em um novo Pêssach este ano. Um de maior sede por conhecer mais verdades históricas de nossas tradições e por abandonar, com coragem, carinho e respeito, as amarras do mito e do fundamentalismo. Um Pêssach que nos permita a gratidão pela imensa distância que nos separa da tragédia de nossos antepassados, junto à empatia pelos que ainda sofrem tragédias de limitações financeiras e políticas. Um que nos dê a oportunidade de renovar, como fizeram nossos sábios, e abraçar o desafio de pensar que nossa principal tradição foi a criatividade. Um Pêssach no qual nos demos de presente novas liberdades, novas histórias, novas tradições e novos vínculos com nossos entes queridos.
Shabat Shalom veChag Samêach.
Rabino Ruben Sternschein