No que será que Iossêf, o filho queridinho de Iaacóv, que é vendido como escravo pelos irmãos e que vai parar no cárcere no Egito, ficava pensando quando estava sozinho na prisão? Será que ele tinha perdoado os irmãos e torcia por um reencontro? Será que ele escrevia cartas imaginárias para o pai que nunca pôde enviar? A Torá não nos conta o que passou pela cabeça de Iossêf durante os doze anos [1] em que ficou preso, mas a parashá desta semana, Vaigash, nos diz a primeira coisa que ele perguntou aos seus irmãos, imediatamente após revelar a identidade que vinha mantendo secreta: “eu sou Iossêf. Meu pai ainda está vivo?” [2] Ao descobrir que o pai ainda está vivo, Iossêf organiza para que toda a família se transfira para o Egito, onde providencia um bom lugar para eles morarem e retoma o relacionamento familiar.
Também em nossos dias essa é uma época de reuniões familiares e de amigos, pelas férias escolares, pelas festas de confraternização de final do ano ou pelas viagens à praia. Nas plataformas de streaming (Netflix, Prime), temos agora seções inteiras dedicadas a filmes e séries de fim de ano, em que o tema das reuniões familiares estão quase sempre presentes. É quase impossível nos mantermos alheios à cultura geral de confraternização familiar, claro que influenciada pelo Natal e pelo final do ano — e em outros anos, não tínhamos qualquer motivo para manter distância de práticas tão alegres e agregadoras.
Como quase tudo em 2020, desta vez será diferente. Apesar das notícias animadoras sobre os resultados das vacinas, os números de infectados e mortos pela Covid nas últimas semanas voltaram a subir de forma preocupante e devem servir de alerta para revermos planos de reuniões ou de férias familiares que talvez tivéssemos. Para Iaacov, trazer para o Egito sua família de Cnaán, onde uma seca terrível os ameaçava, foi uma evidência de seu amor e cuidado; hoje em dia, provamos nosso amor e cuidado mantendo-nos distantes daqueles que mais amamos.
Ao longo desse ano, fomos desenvolvendo um conhecimento profundo de como podemos manter relacionamentos ativos sem necessariamente estarmos no mesmo espaço. Quando começamos a transmitir os serviços religiosos no dia 13 de março, não imaginávamos que essa iniciativa, decidida em resposta à pandemia, permitiria que muitas pessoas que não tinham o hábito de passar o Cabalat Shabat conosco passasse a fazê-lo; pessoas que tinham se mudado para outras cidades e países, pessoas que tinham crescido na CIP e que agora moravam em bairros distantes, inviabilizando que viessem à sinagoga toda sexta-feira, pessoas que tinham se afastado do judaísmo completamente e que encontraram na CIP de 2020 a expressão de um compromisso simultâneo com a tradição, com a modernidade e com a realidade que nos cerca. A cada nova iniciativa, percebemos que mais pessoas se agregavam ao que fazíamos: nossas aulas de B-Mitsvá passaram a ser online e jovens morando no exterior puderam participar também das sessões coletivas; nosso sêder de Pêssach, transmitido ao vivo, contou com a participação de convidados, cada um celebrando em suas residências; nossas tnuot inovaram e desenvolveram atividades online que atraíram até chanichim de outras partes do Brasil; Shavuót marcou o início de uma parceria da CIP com cinco outras sinagogas para organizarmos o mais amplo evento de educação judaica que o Brasil já tinha visto; convidados especiais conversaram conosco e nos ajudaram a processar tudo o que estávamos vivendo; para Rosh haShaná e Iom Kipur inovamos mais uma vez e levamos nossos serviços à televisão de cada um de vocês, buscando facilitar a participação de todos; em Chanucá acendemos juntos as velas, nos enxergando e cantando em comunidade.[3] Neste ano difícil, provamos que, apesar da dificuldade, foi possível usar a tecnologia para mantermo-nos juntos!
Eu sei… estamos cansados, queremos muito poder voltar ao contato presencial com nossos amados, nos abraçarmos e atenuar as saudades. No entanto, ainda não chegou a hora de podermos fazer isso. Neste final de ano, continuarmos cada um nas nossas casas, comemorando através das telinhas, mais que um sinal de responsabilidade, é uma prova de amor!
Shabat Shalom!
Rabino Rogério Cukierman
[1] De acordo com vários midrashim e comentaristas, Iossêf passou 12 anos na prisão. Para uma discussão, veja: judaism.stackexchange.com/questions/26132/how-long-was-yosef-in-prison
[2] Gen. 45:3
[3] Fizemos MUITO mais do que eu resumi aqui… para uma retrospectiva um pouco mais completa da CIP em 2020, chequem: http://bit.ly/retroCIP2020