Saber começar, continuar e concluir
“Como começar, como continuar e como terminar são três movimentos chave da vida que não aprendemos na escola”. Assim começou o curso de introdução à filosofia da educação, com meu primeiro professor na Universidade Hebraica de Jerusalém.
O final da Torá, que lemos nessa semana, se parece com o começo em alguns aspectos. Embora o começo seja a criação (do mundo) e o fim seja a morte (de Moisés), em ambos casos existe uma entrega, e em ambos a entrega gera mais entregas.
Na criação do mundo, Deus entrega a possibilidade de existir a todos os seres, junto à possibilidade de criar mais vida. Cada espécie ganha sua própria existência e a capacidade de gerar outros como ele mesmo. O ser humano, recebe mais ainda: é colocado no mundo para cuidar e evoluir, ele próprio e o mundo.
No fim da Torá, Moisés entrega ao povo, e especialmente ao novo líder, Josué, a responsabilidade da continuidade e da autonomia. A partir de agora, a liderança será menos centralizada, e caberá a cada um manter e desenvolver o legado, escrito, ouvido e vivido.
Chama a atenção essa atitude de Moisés no contexto melancólico de sua despedida. O leitor sente a tristeza do líder e do povo diante da determinação divina de que Moisés não poderá chegar até o final da obra. Ele não entrará na Terra Prometida. Ele pede de modos diferentes para, ao menos, passear por ela e foi respondido com rejeição: só poderá ver a terra de longe.
Poderíamos esperar que ele mergulhasse em uma depressão, que quisesse se fazer indispensável, que tentasse mostrar a diferença entre suas virtudes e as do jovem líder, que sentisse medo, tristeza ou abandono. Que insistisse ou se revoltasse mais.
Nada disso aconteceu. Como se tivesse lido Eclesiastes, Moisés decide que existe um tempo para tudo: para nascer e morrer, para lutar e conciliar, para lançar e colher, para se estender e se recolher. Para começar e terminar, para chegar e partir, para liderar e deixar de liderar. Então abraça o novo momento com generosidade, liderança e acolhimento. Entrega todo seu espírito divino a Josué, colocando as duas mãos em sua cabeça, e não apenas uma como foi solicitado, e apenas insiste em entregar a herança de algum modo, a fim de que o final não fosse registrado para nenhuma das partes como uma perda, e sim como um presente. Nada foi tirado, e sim entregue.
Que possamos reconhecer os momentos, compreender as oportunidades que cada um nos presenteia, e transformá-las em presentes que nos permitam dar o melhor de nós. Só assim estaremos sempre presentes por meio de nossa unicidade.
Rabino Dr. Ruben Sternschein