Iniciamos o terceiro livro da Torá, o livro de Vaicrá. Para muitos ele é difícil de ler, já que sua narrativa traz muitos detalhes de todos os sacrifícios que o povo de Israel deveria oferecer no Mishcán e depois no Templo, em seus vários momentos do dia e do ano. O livro – que também é conhecido por Torat HaCohanim por ser, majoritariamente, um livro de instrução para o trabalho dos sacerdotes – contém quase metade das 613 mitsvót, e, portanto, é um livro para todos.
 
A leitura de Vaicrá deve ir além da quantidade de animais, da maneira precisa de fazer cada sacrifício ou dos detalhes das roupas dos sacerdotes. É preciso imaginar seu contexto histórico para poder sair da literalidade. O código de sacrifícios aparece logo depois do final da construção do Mishcán, o templo móvel que construíram no final do livro de Shemót (Êxodo). Os sacrifícios são uma maneira de atender as necessidades espirituais e religiosas e de organização social.
 
De organização social porque seriam os cohaním, os grandes líderes do povo através de gerações (muito depois de o grande líder Moshé ter morrido e de terem entrado e se espalhado pela Terra Prometida). Essa primeira parashá já deixa bem claro a importância dos líderes e da responsabilidade de cada um na estrutura social. Prevê penas maiores para aqueles que têm maior responsabilidade na sociedade. Um cohen, por exemplo, teria que trazer um corbán maior do que o de uma pessoa sem “participação política”. Isso porque ele era responsável por ensinar, por ser o exemplo. Quando o cohen errava, levava outros juntos em seu mesmo erro.
 
Os sacrifícios atendem as necessidades espirituais e religiosas porque eram através deles que as pessoas se conectavam com Deus. Saindo da literalidade, poderemos entender quais são nossas regras de organização social como povo de Israel e quais são os sacrifícios que nos levam à espiritualidade.
 
Podemos, porém, nos perguntar qual a necessidade de tantos detalhes, já que os sacrifícios eram realizados pelos cohaním, depois de trazidos pelas pessoas. Este livro é chamado, justamente, de Torat HaCohanim, Lei dos Cohaním. A princípio tratava-se mesmo de um guia somente para eles, mas agora todos temos a responsabilidade de entrar no texto, em sua profundidade, para sair da sua literalidade.

 

Shabat Shalom.
Rabina Fernanda Tomchinsky-Galanternik