Existe virtude em ignorar? Seria bom em alguma circunstância não saber, duvidar?

A princípio diríamos que não. Procurar não saber conduziria à irresponsabilidade e ao erro. Irresponsabilidade, ao se colocar na posição de quem se esconde num indiferente “eu não sabia” diante de transgressões éticas próprias e de quem está a sua volta para não ter que denunciar, se opor ou combater. Poderia conduzir ao erro, pois a ignorância tem mais possibilidades de errar do que o conhecimento.

Na Parashat da semana, estabelece-se que diante das leis de pureza e impureza de casas, móveis e roupas, (que foi identificada como uma metáfora da má língua) a pessoa que vir uma mancha que poderia indicar que sua casa estaria contaminada deveria se dirigir ao sacerdote e dizer que viu “como se fosse uma mancha”.  Os comentaristas ao longo dos séculos enfatizaram a importância nestes casos de não falar com determinação extrema. Seja, literalmente, ao se referir a uma doença física cujo risco de contaminação poderia acabar atentando contra a reputação do suspeito. Seja, metaforicamente, ao se referir à má língua que, inclusive, quando seu conteúdo fosse verdadeiro a prática deve ser sempre refreada. 

Dentre as diversas razões dadas para esta atitude promotora de ambiguidade resgato especialmente a que sugere humildade como chave de abertura ao crescimento. Não se trata de se fazer ignorante para desatender responsabilidades, nem para agir inconscientemente em prol do erro. Pelo contrário. Trata-se de reconhecer sempre a limitação da condição humana. Não para assumir menos responsabilidade. Não para se desculpar diante do erro, e sim para aspirar sempre a um crescimento e conserto.  Saber-se limitado o suficiente para não ter uma determinação extrema seria uma porta ao aprimoramento constante. Apenas a pessoa que saberia que não sabe o suficiente, aquela que nunca estiver totalmente satisfeita com si própria, teria sempre também a possibilidade de andar mais um pouco, aprender mais um pouco e evoluir mais um pouco. Sócrates, o filósofo e sábio grego, falava da importância de se reconhecer como quem não sabe. Os sábios do Talmud se recusaram a se chamar de sábios. Eram apenas aprendizes de sábios a vida toda. O filósofo Franz Rosenzweig falava da importância de se ver sempre a metade do caminho. Em tudo.

Embora existam momentos que precisam de determinação e firmeza para executar, é a humildade da incerteza que permite duvidar, gerar e acolher críticas e erros, aprender e se aprimorar.   

Que tenhamos a coragem de sustentar apenas a certeza de não poder ter certezas absolutas e, assim, promover humildade, aceitação e aprimoramento.

 

Shabat shalom 

Rabino Dr. Ruben Sternschein 

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