Na parashat Mikêts finalmente nos deparamos com os famosos acontecimentos que levaram Yossêf a se tornar a pessoa mais importante do Egito depois do Faraó.

No decorrer de sua vida, Yossêf se transformou aos poucos. Primeiro, era um garoto que sonhava somente sobre si e contava seus sonhos sem qualquer filtro ou interpretação.

Depois, vivendo na prisão, um novo Yossêf aparece. Um personagem que não sonha mais desde a época em que seus irmãos tramaram contra ele, Yossêf oferece gratuitamente sua interpretação ao sonho de outras pessoas. Mas, ainda era um Yossêf que parecia crer que os sonhos eram como uma profecia que deveria se realizar de qualquer modo, sem escapatória – e assim o padeiro do Faraó foi sentenciado à morte, sem que nada fosse tentado para livrá-lo de seu possível destino.

O terceiro Yossêf interpreta os sonhos do Faraó. Sete anos de prósperas colheitas e grande fartura se aproximavam, mas que seriam seguidos por sete anos de escassez e fome por todo o Egito. Yossêf, no entanto, não sentencia o Egito. Ali, ele compreendeu que seu dom não deveria servir apenas para predizer um futuro fixo e inescapável, mas sim, deveria ser utilizado para solucionar eventuais problemas futuros, previstos de antemão.

Yossêf, então, aconselha o Faraó a poupar. Aconselha que o Egito estoque boa parte de suas gordas colheitas durante os próximos anos, para que não faltasse provisões nos sete anos de crise e dificuldade. Talvez Yossêf tenha tomado essa decisão por medo do Faraó, ou talvez fosse uma tentativa de reparar o erro anterior de não buscar solucionar o problema do padeiro. Nunca saberemos.

À continuação, a Torá relata que, de todo modo, faltou comida durante os anos das vacas magras (Gn 41:56). Então fica a pergunta: no final das contas, o plano/conselho de Yossêf funcionou ou não?

Se pensarmos que seu plano visava evitar a escassez e a fome, então seu plano falhou grandemente. Mas se considerarmos que sua ideia era aliviar a fome, então seu plano foi muito bem sucedido. Mesmo tendo vindo a escassez, mesmo tendo a fome atingido a população, mesmo a situação tendo sido bem dura, ela poderia ter sido muito pior.

O “terceiro” Yossêf, o Yossêf da parashat Mikêts nos ensina algo muito valioso: é importante enxergar à frente e planejar. É necessário compreender que imprevistos podem ocorrer e que às vezes as coisas fogem ao nosso controle.

Ao compreender isso, conseguimos encarar o que era inesperado sem desespero e, com calma, respirar fundo e encontrar soluções.

Os sete anos de seca realmente vieram, como claramente antecipava o sonho do Faraó: “e mesmo após terem comido as vacas gordas, não se notava diferença, e a aparência das vacas magras continuava terrível, como no princípio” (Gn 41:21). Mas o plano B de Yossêf ajudou o Egito a passar pela crise com algum alívio e sem maiores dificuldades. 

As medidas de Yossêf e a observância do povo a essas medidas foram fundamentais para que o Egito não colapsasse. Competente foi Yossêf ao perceber que não existem soluções mágicas para crises e que não adianta apenas falar. É importante fazer.

Sendo uma tradição que busca o equilíbrio entre a crença e a práxis, o judaísmo nos ensina através da Torá que nossa ação no mundo é importante e fundamental, e que grandes transformações são possíveis de alcançar e, mesmo que não possamos reverter uma previsão ruim, podemos aliviar o peso e suavizar o impacto daquilo que se avizinha.

 

Shabat shalom,

Moré Theo Hotz

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