Deus disse a Moisés: “Diga ao povo de Israel que me traga doações; você aceitará doações para mim de toda pessoa que doar de coração… e deixem que me façam um santuário para que eu habite entre eles” [Ex. 25:1 e 8].
A parashá desta semana começa com uma convocatória divina ao povo para doar. E apesar de ser imperativo o verbo, há uma ressalva explícita nessa ordem divina de que apenas as doações que fossem feitas “de coração” deveriam ser aceitas. Mas há uma palavra em hebraico nessa frase que pode expandir nosso entendimento sobre quem pode doar: “col ish asher idbenu libó” (toda pessoa cujo coração o voluntaria). A força do voluntariado é convocada para que o santuário possa ser levantado. Afinal, um santuário não se cria por força (imposição), mas se constrói com a força de cada pessoa, seja ela física, espiritual, material ou emocional, de coração e em forma voluntária.
Doar, na linguagem da Torá, pode ser entendido também com ser contado. A doação de meio shekel que leremos em algumas semanas está relacionada com o censo, com a maneira de saber com quem podemos contar. Apenas era contada para a comunidade aquela pessoa que havia participado com seu meio shekel. Não tem a ver com o valor monetário, mas com a participação ativa e individual em um esforço coletivo.
Também encontramos outro costume posterior à Torá, chamado Machatsit haShekel, no qual cada pessoa fazia uma tsedacá em erev Purim, mas desde 1º. de Adar, que celebramos nesta semana, os tribunais já começavam a anunciar lembretes dessa convocatória bíblica.
Nesta semana, toda a comunidade judaica em São Paulo foi convocada a doar ajuda humanitária aos desabrigados e às vítimas dos desastres decorrentes das chuvas dos últimos dias. Além das ajudas em dinheiro, alimentos, itens de higiene pessoal e roupas, a comunidade judaica também se fez presente através de voluntáries que se deslocaram ao local, colaborando com ajuda médica e ajudas de diversas ordens.
Cada um(a) de nós tem algo para doar. Se participar com meio shekel significava ser contado como parte da comunidade, doar também se relaciona com a própria existência. Pela proposta filosófica racionalista de René Descartes, a existência é fruto da razão: “Penso, logo existo”. Mas a parashat Terumá amplia nosso sentido de existência, ao afirmar que só existe para o outro aquele que doa, e particularmente, que doa em forma voluntária e movido por uma força interior, que brota do coração. Assim, parafraseando Descartes, poderíamos resumir todo esse movimento em “Doo, logo existo”.
Que nosso coração nos voluntarie e nos torne partícipes das causas comunitárias e humanitárias; que possamos existir para o outro através das nossas ações voluntárias; que a presença divina encontre morada nos laços que construímos entre nós.
Shabat Shalom!
Kelita Cohen
Confira outros comentários sobre a parashat Terumá:
Onde Deus mora | Parashat Terumá
Na parashá dessa semana, Terumá, a Torá nos fala sobre a doação absolutamente voluntária, de livre e espontânea vontade – “[contribuição] de toda pessoa cujo coração se voluntariar” (Ex 25:2). A terumá (doação/contribuição) é completamente diferente do maassêr...
Inovação e tradição também nos nossos símbolos | Parashat Terumá
Imagine que alguém te lance um desafio: você precisa desenhar o logo para uma nova iniciativa, um projeto inovador e enraizado na tradição judaica. Pare alguns minutos para pensar quais seriam os elementos básicos que você usaria para desenhar esta marca. Sem ver o...
O direito de esquecer e de ser esquecido e a responsabilidade de lembrar | Parashat Terumá
Nossa memória tem a capacidade interessante de suavizar os sobressaltos pelos quais passamos ao longo de nossas vidas. Como se fosse uma lixa potente tratando de alisar a textura de um móvel áspero, vamos, ao longo dos anos, lembrando de versões mais amenas de...