Ao longo da leitura de Shemot, muito foi dito sobre uma labor voluntária – afinal, havia uma construção em processo que dependia da participação de todos. Essa leitura do segundo livro da Torá no ano em curso terminou na semana passada, e nos adentramos agora a um novo livro, Vaicrá, que vem com um chamado a refletir também sobre nossa labor involuntária.

Involuntário é algo feito sem a intervenção da vontade. E chama a atenção o texto da Parashat Vaicrá que, dos cinco tipos de sacrifícios descritos para serem oferecidos no local da presença divina, dois eram de cumprimento obrigatório. Ou seja, ao realizar uma violação involuntária da lei (delito culposo, por não ter ocorrido por vontade do agente delitivo), a forma reparatória estabelecida na Torá já não dependia da escolha ou da vontade individual, mas de uma imposição legal. 

Mesmo com as ofertas impositivas derivadas de transgressões, a essência do encontro no local de reunião continuou sendo de caráter voluntário. 

O menu do ritual de sacrifícios era tão diverso quanto eram as suas finalidades. Ele servia para aliviar a culpa gerada por um acidente ou uma ação que tivesse acontecido por acidente ou por desatenção, e cujos efeitos tivessem impactado negativamente a outros. Outros deles tinham uma função comunitária, de comer juntos e estar juntos. Estavam também as ofertas cuja finalidade era a justiça social, cujo alimento ofertado servia para alimentar os trabalhadores do local comunitário – os sacerdotes – mas também as pessoas que se acercavam ao local de reunião por sua condição de vulnerabilidade.

Não estava incluída entre as finalidades dos sacrifícios a absolvição por uma transgressão deliberada. Esse princípio está atrelado a outro – a responsabilidade pelo outro e por nossas ações. 

Portanto, vemos nessa diversidade de tipos e motivações de ofertas sacrificiais que a vontade ou intencionalidade é o pêndulo indicativo do tipo de sacrifício devido ou apropriado em cada situação.

Hoje, já não temos o tabernáculo que caminhou com os israelitas pelo deserto por 40 anos e tampouco temos o Templo em Jerusalém para realizar sacrifícios, mas continuamos tendo diversas formas de canalizar nossas vontades ao bem comum. Além da reza, que o judaísmo rabínico trouxe como alternativa para o sacrifício de animais, continua à nossa disposição a possibilidade de levar aos nossos centros comunitários, nossos lugares de reunião, as nossas doações e o nosso trabalho voluntário. Afinal, o voluntariado (do latim voluntas) é a própria expressão da vontade. 

Se nossos antepassados peregrinavam a Jerusalém 3 vezes ao ano para levar suas ofertas voluntárias e seus sacrifícios, hoje temos muitas missões que estão sendo organizadas a Israel desde o 7 de outubro, com foco no voluntariado. 

Que nossos corações estejam sensíveis em forma voluntária à participação, aos diferentes níveis de necessidades comunitárias e ao que está acontecendo em Israel.

 

Shabat Shalom!

Purim Samêach!

 

Rabina Kelita Cohen

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