Geralmente os começos são a continuação de finalizações, assim como os finais prenunciam novos começos. Entretanto, na maioria das vezes nos concentramos apenas em uma das partes da equação.
Alguns tendem a olhar mais para os impactos dos começos: a novidade, a criatividade, a esperança, a expectativa, a fé, os medos, as incertezas, os rejuvenescimentos, o frescor. Outros tendem a ficar mais próximos dos lutos dos finais: as despedidas, as melancolias, as saudades, as perdas, as lembranças.
Na verdade ambas partes tem tempo e espaço, pois ambas sensações são aspectos verdadeiros de uma mesma realidade. Como diz o livro de Eclesiastes: “Tudo tem um tempo embaixo do sol” (Eclesiastes 3:1). Poderíamos dizer que devemos nos focar na finalização primeiro e logo mergulhar no movimento do começo. Porém, os tempos se mesclam constantemente: cenas do passado finalizado revivem para sempre em nós, assim como centelhas do começo futuro iluminam todo cenário presente antes dele se tornar passado. Como disse o poeta israelense Amichai, em “O homem não tem um tempo”:
“O Eclesiastes não está certo.
O homem precisa odiar
e amar ao mesmo tempo,
com os mesmos olhos chorar
e com os mesmos olhos rir,
com a mesma mão atirar pedras
e com a mesma mão recolhê-las,
fazer amor na guerra e guerra no amor.” [1]
Na parashá da semana, Moisés começa a despedida do povo. Lembra do passado e planeja o futuro ao mesmo tempo. Seu discurso viaja para trás e para frente uma e outra vez. Repleto de melancolia e esperança, lembra acertos, lamenta erros e traça correções e consertos. Esse texto é lido sempre antes de Tishá BeAv, o dia em que lembramos a destruição de Jerusalém. Nesse dia, segundo a tradição rabínica, devemos ler a Meguilat Eichá (“Lamentações”) que, embora se concentre na perda de Jerusalém, também inclui trechos de aprendizado, fortalecimento, reconstrução e esperança.
Assim como a arca que levava as tábuas novas carregava também os restos ou cacos das tábuas quebradas, sempre levamos tudo que somos e vivemos. Todos os momentos incluem todo nosso passado e, alguns dizem também, a faísca de todo nosso futuro. Assim como todas nossas células possuem a informação necessária para clonar todo o nosso corpo, cada instante poderia reproduzir toda nossa vida e cada traço de nossa personalidade. Todo nosso ser.
Que essa consciência nos permita viver com plenitude, com responsabilidade, integrando tudo numa riqueza maior.
Shabat shalom,
Rabino dr. Ruben Sternschein
[1] O homem não tem um tempo, Yehuda Amichai.