Quando saíres à peleja contra os teus inimigos, e o Senhor, teu Deus, os entregar nas tuas mãos, e tu deles levares cativos, e vires entre eles uma mulher formosa, e te afeiçoares a ela, e a quiseres tomar por mulher, então, a levarás para casa, e ela rapará a cabeça, e cortará as unhas, e despirá o vestido do seu cativeiro, e ficará na tua casa, e chorará a seu pai e a sua mãe durante um mês. Depois disto, a tomarás; tu serás seu marido, e ela, tua mulher. E, se não te agradares dela, deixá-la-ás ir à sua própria vontade; porém, de nenhuma sorte, a venderás por dinheiro, nem a tratarás mal, pois a tens humilhado. (Deut 21:10-14) Se alguém tiver um filho contumaz e rebelde, que não obedece à voz de seu pai e à de sua mãe e, ainda castigado, não lhes dá ouvidos, seu pai e sua mãe o pegarão, e o levarão aos anciãos da cidade, à sua porta, e lhes dirão: Este nosso filho é rebelde e contumaz, não dá ouvidos à nossa voz, é dissoluto e beberrão. Então, todos os homens da sua cidade o apedrejarão até que morra; assim, eliminarás o mal do meio de ti; todo o Israel ouvirá e temerá. (Deut 21:18-21) A mulher não usará roupa de homem, nem o homem, veste peculiar à mulher; porque qualquer que faz tais coisas é abominável ao Senhor, teu Deus. (Deut 22:5)

No Exército de Defesa do Estado de Israel existe uma lei chamada “ordem manifestamente ilegal”. Essa lei obriga os soldados a se negarem a cumprir uma ordem de um superior que seja “manifestadamente ilegal”, o que é considerado um delito penal, possibilitando que o Exército de Israel atue de forma ética e moral. 

Meu rabino, o rabino Shlomo Fox —  professor de Talmud em vários âmbitos, incluindo o HUC-JIR, seminário rabínico reformista com sede em Jerusalém onde estudamos eu e o rabino Ruben — ensinou que também na Torá há ordens que não devem ser cumpridas. Desde o momento em que a Torá foi entregue ao povo de Israel, é nossa responsabilidade estudá-la, interpretá-la e criticá-la até o ponto de não cumprir alguns de seus preceitos. Se quisermos ser um povo ético e moral, devemos distinguir entre as mitzvot que contradizem nossos princípios e aquelas que devemos cumprir. Esse é o nosso desafio como judeus liberais, tomar decisões baseadas em nossos valores.

O estudo da Torá e o cumprimento da mesma pedem de nós não apenas atenção e dedicação, mas também disposição para enfrentarmos textos que nos desafiam, que não são simples de ler e menos ainda de serem botados em prática. Como ensinaram nossos sábios, “derech eretz kadmá laTorá”, o caminho do bom precede a Torá.

Em minha opinião, a parashá desta semana contém exemplos de preceitos “manifestamente ilegais”. O importante dos preceitos são os valores por trás dele mais do que a prática em si; o que eles nos ensinam e o que nós oferecemos ao mundo com nossas ações. Devemos ler a Torá com olhos críticos e reconhecer a discriminação, a violência e a injustiça em alguns dos preceitos. Não devemos justificar, mas corrigir e melhorar.

No mês de Elul, um mês de reflexão, introspecção e teshuvá, devemos ser capazes de nos afastarmos do mal e fazer o bem. No Talmud da Babilônia, tratado de Brachot, os sábios interpretam o versículo do salmos “tempo de fazer para Deus, violem sua lei” (Salmos, 119:126) e ensinam “violaram Tua Torá; por que razão? Porque é tempo de fazer para Deus.”

Que sejamos capazes de distinguir a legalidade da justiça, de sermos fiéis aos nossos valores e agir moralmente. Que sejamos dignos das capacidades que temos como humanos e trabalhar para ser a melhor versão de nós mesmos, melhorando assim nossa comunidade, nossa sociedade e nosso mundo.

 

Shabat Shalom,

Rabina Tati Schagas