Geralmente assumimos que no ato de doar, o lado forte é aquele que dá e o lado fraco é aquele que recebe. O doador é quem demonstra o poder de possuir algo de valor para ser doado e o receptor, a necessidade e a carência.
Todavia, também quem doa expressa sensibilidade pelo receptor, e também quem recebe manifesta algum amor próprio imprescindível para se reconhecer digno do que for receber.
Em outras palavras, tanto o doador quanto o receptor precisam das mesmas características: certo amor próprio e certa humildade, para que o movimento aconteça.
A gratidão que devolve o receptor é talvez a mostra mais clara dessa simetria recíproca. No momento de dizer “obrigado” é o receptor que está valorizando o doador e a doação e portanto, manifestando um certo poder de avaliar. A gratidão captura ao mesmo tempo a necessidade do receptor e seu poder. Sua fraqueza e sua força.
A psicologia explica que muitas vezes a posição de quem doa, assim como a de quem ajuda, não só expressa generosidade, empatia e força. Existiria nela também uma necessidade e portanto, uma dependência e uma fraqueza: a autoafirmação. Quem doa precisaria de quem recebe para poder auto-afirmar seu valor e seu poder. Do mesmo modo quem recebe teria a força de exigir, de reclamar, de se indignar e conceber que merece mais do que tem e que quem o ajuda teria, talvez, algum dever para com ele.
Assim sendo ambos , doador e receptor, têm forças e fraquezas, necessidades que os fazem dependentes e energias para exercer poder e autonomia.
Na parashá da semana, entre as oferendas que eram entregues no templo em forma de sacrifícios destaca-se o denominado zevach shelamim. Diferente de outros destinados a expiar erros, compensar maus atos ou más intenções, ou celebrar uma festa, este sacrifício tinha por objetivo agradecer e foi reconhecido por interpretadores como a oferenda dos fortes, dos bem sucedidos. Ou seja, quem vê a si próprio como exitoso, o expressava doando gratidão!
O nome dessa oferenda diferente inclui a palavra shalem, que significa completo, compensado, pago, íntegro. Aliás, é também a raiz da palavra paz.
Quando o calendário hebraico acrescenta um mês, como este ano, esta parashá se lê em algum dos shabatot próximos a Purim. Neste caso, o shabat posterior que acrescenta o trecho da vaca vermelha, cujo ritual purificava os impuros, mas impurificava os puros. Como mostrando a dinâmica cambiante das aparências, dos tempos e das pessoas. O que se vê purificador, pode acabar impurificado. Quem se vê forte, pode sentir fraqueza e vice versa.
Talvez a oferenda zevach hashlamim, central na parashá da semana, e seu nome, nos ajudem a reconhecer e a equilibrar nossas forças e fraquezas e as dos que estão à nossa volta, em cada situação de troca, nos permitam compreender com empatia e valorizar a complementaridade que se esconde em todas as dinâmicas interpessoais.
Shabat Shalom
Rabino Dr. Ruben Sternschein
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