Yuval Noah Harari, no seu maravilhoso livro Sapiens, mostra que, quando descobrimos a agricultura, possuímos a terra, mas fomos possuídos por ela também. Tornamo-nos donos e escravos da terra ao mesmo tempo. Passando do nomadismo ao sedentarismo, deixamos de depender do que encontrássemos casualmente em horas de busca por comida, mas passamos a trabalhar dia e noite, verão e inverno, para garantir que nossa terra produza exatamente o que precisamos no tempo e na quantidade necessários.
Possuímos nossas possessões e posições ou elas que nos dominam e determinam?
Esta semana lemos duas parashiot: Behar e Bechucotai. A primeira nos lembra as leis do ano sabático e do jubileu, segundo as quais a cada sete anos e a cada cinquenta anos as terras eram liberadas de nosso usufruto e as pessoas de suas dívidas. Era declarado com o som do shofar o ano da libertação: todo mundo voltava a casa e a si próprio, as terras não podiam ser trabalhadas e, assim, descansavam do humano, e o humano descansava do trabalho da terra.
A parashá continua lembrando que não podemos realmente vender nem comprar terra, pois somos apenas “turistas”, passageiros na terra da Divindade.
No final, a primeira parashá estabelece que ninguém pode escravizar ninguém pois todos somos somente servos da vida e do Divino. Ou seja: a objetivação das terras, dos bens e das pessoas e a pretensão de possuí-las são uma falácia que acaba escravizando a todas as partes.
A segunda parashá, Bechucotai, detalha as consequências das escolhas livres. Ela começa com uma expressão emblemática e única em toda a Bíblia: “e os conduzirei komemiut”. Esta palavra não existe em nenhuma outra parte e foi adotada pela liturgia da benção prévia ao Shemá Israel e pela Declaração da independência do Estado de Israel. Compõe-se do radical kmm ou kvm que serve para formar as palavras levantar, erguer, revoltar, sustentar, existir e suas formas reflexivas (levantar-se, revoltar-se, etc.)
Que possamos nos revoltar quando necessário, diante de tudo o que escravizamos e que nos escraviza pelo apego excessivo, e assim levantar-nos, erguer-nos, sustentar-nos, para que existamos e promovamos a existência de tudo à nossa volta com a dignidade da liberdade e da autenticidade.
Shabat shalom,
Rabino Dr. Ruben Sternschein
Confira outros comentários sobre as Parashior Behar e Bechucotai:
Transformando valores em ações | Parashat Behar
É interessante ver como, às vezes, conseguimos concordar em relação a alguns grandes ideais (ou algumas palavras vagas), apesar de apresentarmos profundas discordâncias em relação aos detalhes desses conceitos (ou, por outro lado, nunca termos parado para pensar que...
Sabático (quando merecido) | Parashat Behar-Bechucotái
Nesta semana, com o objetivo de ajustar o ciclo anual da Torá com o número de semanas do calendário judaico, lemos 2 Parashiót (porções) da Torá. A primeira parashá desta semana, Behar, nos ensina a mitzvá de shnat shmitá. Segundo a Torá, a cada sete anos, a terra...