Deixa meu povo ir! – o clamor por libertação das pessoas mantidas reféns em Mitsráim introduz a parashá desta semana: a Parashat Bô.

 

שַׁלַּח עַמִּי

“shlach ami”

Deixa meu povo ir![1]

Não foi a primeira vez que estas palavras foram exclamadas no texto da Torá por Moisés, como também não é a primeira vez na qual nós clamamos pela libertação do nosso povo em outros episódios nefastos da história judaica (antiga e recente).

O que chama a atenção nessa ocasião (Êxodo 10:3) é que ela antecipa uma condição tão extrema que afetaria a capacidade de ver dos nossos detratores (em referência à nuvem de gafanhotos que impedia até mesmo a visibilidade da terra).

A narrativa bíblica se vale de uma série de recursos sensoriais para buscar transmitir o que sentiam as pessoas diante de tamanha calamidade. A visão obscurecida, quer por gafanhotos, quer por uma escuridão espessa que chegava a ser imobilizadora, transmite a angústia frente a algo sobre o qual não conseguimos ter qualquer controle – devastador e assolador.

E assim como não foi uma única vez na qual o grito “Let my people go!” precisou ser alçado por Moisés, o rabino Rick Jacobs comentou[2] que isso não aconteceu apenas uma vez no Egito, aconteceu em vários egitos onde nosso povo viveu ao longo desses séculos. Em cada um deles, se levantaram líderes de coragem como Moisés, que desafiaram o poder opressor.

 

לֹא־רָאוּ אִישׁ אֶת־אָחִיו

“lo ra’ú ish et achiv”

…ninguém podia ver o seu irmão[3]

A Torá descreve que a escuridão (a 9ª praga) era tamanha que “as pessoas não podiam ver umas às outras, e ninguém podia se mover [do lado egípcio]; enquanto todos os israelitas desfrutavam de luz em seus assentamentos” (10:23).

Talvez a nossa luz – e também a nossa maior liberdade – seja não nos deixarmos inertes frente às circunstâncias adversas. Enquanto a escuridão acontece de um lado no qual pessoas perdem a capacidade de ver a dor de outro ser humano, e com isto permitem que sua humanidade lhes seja apagada, na Kikar Hatufim (a Praça dos Reféns, em Tel Aviv), a luz brilha nos olhos uns dos outros.

A vigília de 24 horas de canção, oração, clamor, consolo aos familiares, vivenciadas nesta semana ao completar 100 dias de cativeiro dos reféns sequestrados em 7 de outubro, são a expressão dessa luz que insiste em brilhar no acampamento israelita.

O coração endurecido dos terroristas do Hamás contrasta com o coração solidário dos jovens que se dispuseram a viajar a Israel em uma missão voluntária para colher os frutos dos campos e garantir a continuidade da vida, mesmo em tempos de guerra.

וְלֹא־קָמוּ אִישׁ מִתַּחְתָּיו

Ve’lo camu ish mitachtáv

…e ninguém podia se mover[4]

A inação e o silêncio das organizações internacionais feministas, diplomáticas ou humanitárias contrasta com a ação dos soldados que se voluntariam à missão de resgate dos nossos irmãos, mesmo arriscando suas próprias vidas.

São as soldadas e os soldados das Forças de Defesa de Israel (FDI) quem hoje brada “Deixa meu povo ir!”. Moisés precisou estar do lado de dentro, imerso em toda a névoa que pairava sobre o palácio do Faraó para exclamá-lo. Ele não disse ao Faraó “deixa meu povo vir”, senão, “deixa meu povo ir”. Ele adentrou na escuridão dos túneis de Gaza para lá, transmitir a mensagem de libertação.

Nossos chaialim atuam hoje como Moisés, enfrentando as forças das trevas. Mas a força que os move, como moveu Moisés, estava em saber que no acampamento israelita, a luz continuava acesa. Por isto, do lado de cá, clamamos aos nossos jovens soldados a que “Tragam-nos de volta a casa!”, ao mesmo tempo em que continuamos a clamar às organizações internacionais humanitárias com presença em Gaza “Tragam-nos de volta a casa agora!”. Cada minuto conta.

Esse é nosso pedido neste Shabat e a nossa resposta ao chamado da Parashá para deixar nosso povo ir: #BringThemHome ! #BringThemHomeNow !

 

Shabat Shalom!

Rabina Kelita Cohen

 

[1] Êxodo 10:3

[2] No podcast “On the Other Hand: Ten Minutes of Torah”

[3] Êxodo 10:23

[4] Continuação do versículo 23, de Êxodo 10.

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