Tenho uma amiga em Israel que, quando alguém falava alguma coisa em voz baixa para ela, com a intenção de que outros não ouvissem ou prestassem atenção, ela dizia “se você não quer que prestem atenção, fale em tom normal, quando você fala baixo todos querem ouvir.”
Já perceberam que, muitas vezes, se você não compreende o que alguém está falando e pede que repitam, as pessoas falam mais forte? “Não é que não ouvi, só não entendi.”
Existem também pessoas que, quando você discorda delas, acham que, quanto mais forte falarem, mais persuasivo será o argumento, até chegarem a convencer você.
A parashá da semana passada termina com Yehuda e seus irmãos entrando na casa de Yosef depois do cálice ter sido achado na bolsa de Binyamin. Yosef os questiona e Yehuda responde. Embora eles estejam tendo uma conversa, a parashá desta semana, parashat Vaigásh, começa com o seguinte versículo: “agora Yehuda se aproximou dele e disse: ‘por favor meu senhor, que teu servo possa falar uma palavra aos ouvidos de meu senhor, mas que não se acenda a tua ira contra o teu servo, porque tu és como o Faraó.’” (Gênenis, 44:18)
Por que Yehuda precisa se aproximar nesse momento? Não estavam eles já tendo uma conversa? As interpretações rabínicas variam. Rabi Yehuda diz que Yehuda estava se aproximando para batalhar; Rabi Nechemiah opina que ele se aproximava para fazer a paz. A maioria dos rabinos concordam com a visão expressada no Midrash Bereshit Rabba (93:6) “Essa aproximação (hagashá) era para oração, como diz ‘e aconteceu que na hora da oferta da tarde, Elias, o profeta, aproximou-se (vaigásh).” (Reis I, 18:36)
Yehuda se aproxima de Yosef como nós nos aproximamos de Deus em oração. Essa aproximação pretende ser uma comunicação direta, sem intermediários. Embora Yehuda estivesse falando com Yosef, provavelmente era através de intérpretes ou tradutores, e a uma distância física também. Or HaChaim (1696-1743) ensina: “Sabe-se que, quanto à etiqueta real, os ministros e conselheiros sentavam-se diante do rei; e se uma pessoa viesse falar sobre e emitir ou importar perante o rei, ela não ficaria além desses conselheiros e diretamente ao lado do rei; em vez disso, eles ficariam no círculo externo e falariam de lá. É assim que Yehuda estava falando até esse ponto. Então, quando “Yehuda se aproximou”, significa que ele entrou pela tela e ficou entre o rei e os conselheiros, para que eles não ouvissem o que ele disse diretamente ao rei.” Esse é o sentido de nossa Tefilá, de nossa oração, aproximarmo-nos sem intermediários em diálogo direto com nosso Deus. O Netziv interpreta que a fala ao ouvido de Yosef deve ser entendida como um murmúrio, assim como fazemos na Amidá.
Segundo o Zohar, rezamos a Amidá murmurando, como alguém falando em segredo com o Rei, não só para nos aproximarmos, mas para que o Rei se mantenha perto de nós para nos escutar.
Assim como Yehuda se aproximou de Yosef e falou murmurando para que Yosef esteja perto também, eles deixaram cair as barreiras que existiam entre eles, tanto que Yosef confessou ser quem é depois desse ato.
Que sejamos dignos de nos aproximar de Deus de um jeito que Deus esteja também perto de nós. Diz no sidur da CIP: “Como rezar a Amidá? Volta-se em direção a Ierushalaim. Dá-se três passinhos para trás, retorna-se três passinhos para frente e se fica em posição de sentido. Reza-se com grande concentração e cavaná.” Três passinhos que nos distanciam para logo darmos treê passinhos que nos aproximam.
Que sejamos capazes de nos aproximar também de nossos semelhantes e que nossa comunicação seja para deixar caírem barreiras, comunicarmo-nos, conhecermo-nos e fazermos a paz.
Shabat Shalom,
Rabina Tamara Schagas
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